Wednesday, December 30, 2015

Presépio de Natal

By Mary
Xmas 2015

Postal de Natal

"Queridos pais:

Nesta época festiva, para além de vos pedir, quero agradecer pelo carinho, pela atenção, pela paciência, pela ternura e por todo o amor que me dão.
Também vos quero pedir desculpa por tudo o que eu faço que vos desagrada.
Obrigado por também me terem ajudado nos trabalhos de casa e noutras coisas.
Vou tentar ser meigo e carinhoso com vocês. Espero que fiqueis contentes. 
Espero que seja um Natal mágico com vocês e toda a família. 
Do vosso filho Pedro."


(Escrito a 15 de Dezembro de 2015)

Thursday, December 24, 2015

A minha carta ao Pai Natal

Resultado de imagem para santa, clipartMeu querido Pai Natal:
Não sei se ainda venho a tempo, mas como sabes sou mãe e, portanto, sou sempre a última das minhas prioridades. Eu não sei muito bem se acredito em ti ou não, mas, pelo sim, pelo não, tenho uns desejos para expressar. Se tu fosses menos pançudo e barbudo e mais parecido com aqueles senhores musculados dos calendários solidários, eu não teria perdido a oportunidade de me sentar ao teu colo a pedir um desejo, mas como és velhote e moras tão longe, basta-te assim. Presta bem atenção porque a maioria dos pedidos são semelhantes aos do ano anterior e não foram atendidos. Desconfio que estás a ficar surdo ou senil, naturalmente, será da idade. Ou então eu portei-me mesmo mal e não mereci nada daquilo. Vou tentar a minha sorte outra vez. Tenho sido uma boa mãe: alimentei-os, lavei-os, vesti-os, mimei-os e berrei-lhes o ano todo.

1) Recauchutagem
Ora bem, assim para começar podia ser braços de ferro para os transportar quando adormecem no carro; uma actualização do cérebro com extra créditos de paciência e, já agora, a devolução das maminhas e da cinturinha pré-parto, faxavor!

2) Gadjets
Era assim um automóvel com aspiração central que detectasse as migalhas automaticamente; era uma televisão que tivesse algum canal para além do Panda, do Disneychannel, do Nickleodeon ou do CartoonNetwork e uns phones ultrapotentes para eu conseguir falar ao telefone. Ainda queria um placard em neóns berrantes onde eu pudesse programar as instruções mais frequentes, de preferência com suporte audio, do estilo: "Vão lavar os dentes!"; "Venham para a mesa!" ou "Lavem as mãos!" , entre outras. Isto podia vir acompanhado de um sistema de semáforos para a casa de banho e também um daqueles ecrãs numéricos, como no talho, para organizar os pedidos de auxílio aos pais!

3) Bagatelas
Estava mesmo a precisar de um filho que não comesse com as mãos; uma filha que respondesse sempre "sim, mamã" (pensando bem até pode mesmo ser uma boneca, só para reforçar a minha auto-estima). Também dava jeito dois irmãos que não se pegassem e com sistema de autolimpeza incorporado, como aqueles fornos automáticos que se limpam sozinhos.

4) Luxos
Se, eventualmente, estes produtos já estiverem esgotados contento-me com cinco minutos de absoluto silêncio (nada de muito grave, mas tipo uma mudez temporária ou uma afonia ligeira) ou tempo suficiente para conseguir lavar a cara e pentear-me na mesma manhã ou para não ter de fazer uma sopa em três actos!!

5) Milagres
Como estamos na época deles, também posso pedir os meus: se não fosse pedir muito era uma lei que proibisse os trabalhos de casa; era convenceres os meus filhos a colaborar nas tarefas domésticas voluntariamente e, se não fosse muita maçada, dares também a volta ao miolo do pai para não lhes dar guloseimas às escondidas!


Wednesday, December 23, 2015

o menino que escolheu não crescer

eu acho que 
se quase toda a minha vida tivesse sido passada em instituições
se
a espaços destas
me fizessem promessas de me ir lá buscar aos fins de semana e não aparecessem 
se então fosse castigado por ir ver a minha mãe-que-não-me-vem-ver a um local "impróprio para meninos da tua idade"

se a espaços me permitissem voltar para o meu pai-que-não-me-vem-ver só para testemunhar que ele é um herói e que expulsa à punhada da tasca onde trabalha os bêbados que não querem pagar

se quase toda a minha vida tivesse sido passada em instituições
em que outros meninos me roubassem os legos

se na escola os outros meninos
chamassem nomes feios à minha avó-que-não-me-vem-ver
e eu ficasse furioso com eles (mesmo sem que ela me viesse ver)
e me envolvesse em brigas
por isso

se quase toda a minha vida tivesse sido passada em instituições
onde me obrigavam a comer a sopa toda para crescer

se, porque eu não crescesse, mesmo comendo a sopa toda à força,
me levassem a uma médica e me receitassem umas picas diárias

eu  acho que também detestaria sopa
eu acho que construiria uma enorme cidade de legos para eu viver para sempre 
e
não haveria
médica nenhuma,
pica nenhuma,
sopa toda nenhuma
que me obrigassem  a crescer!

Friday, December 4, 2015

Uivar

Há um cão que uiva no terraço da vizinha.
Questão que sempre me intrigou: porque uivarão os cães? que mágoa lhes irá na alma? saudades de alguém? sentem-se presos? quererão fugir? pressentirão desgraças? doenças, mortes, a tristeza dos outros? terão medo? adivinham trovoadas? terramotos?
Porque me entrará nas entranhas este uivo agudo? Que ecoará em mim este grito de desespero? Há dias em que me apetecia poder uivar como ele. Com os pulmões todos e sem escrúpulos.
Alguém diria, porque gane a vizinha, que lhe dói, ou então confundiam-me com ele e nem davam por nada. Afinal que razões tenho para querê-lo? A morte da minha mãe, as birras dos miúdos, uma palavra torta do marido, o cancro do amigo de 40 anos que tem quatro filhos menores, nada, porque uivas rapariga, porquê esse grito profundo que sai para dentro e não de encontro ao luar como o do cão da vizinha?
Tiroteios, crianças que desembocam em praias, pais que atravessam países a pé com filhos ao colo, botes de borracha que enterram vidas no mar, atentados, que te mói? Que imagens trazes aí dentro a uivar baixinho? Um país que não se endireita, um mundo em tumulto e desconcerto, que razões te mastigam a alma, uma mãe que partiu e já não faz mexidos há quatro natais, também os fazes bem, é assim a vida, agora faze-los tu, é a tua vez, depois a tua Maria, quem sabe o teu Pedro, ambos a uivar baixinho, enquanto partem o pão? Atentados em cidades-luz, que só percebias com glamour e agora sangue e corpos pelo chão? Apetecia uivar com força, como ele faz, sem escrúpulos, à luz da lua, à luz do dia, sem pudores, nem recalcamentos.
Choramos tão pouco; tem que ser bonito e alegre, como nos filmes. Redes sociais carregadas de imagens perfeitas, viagens, jantares, árvores de natal com luzinhas e crianças à volta dela, bem vestidinhas, sem nódoas, com sorrisos e sem teimas nem birras. Ninguém uiva no facebook. Mesmo os movimentos solidários que aí surgem, os casos difíceis que aí se descrevem, crianças carecas no IPO, perfis a três cores, pela França, tudo envolto nalgum romantismo, como se não fosse real, como se fosse só virtual, como se fossem filmes, ficções, nadas para nos sentirmos bem com o nosso quotidiano sem isso. Ninguém se exalta na sociedade contemporânea. E, no entanto, xanacs e depressões e gente que enrola bombas à cintura e se detona...
Trago o uivo do cão da vizinha cá dentro, como uma faca que fere e angustia, precisava de uivar com ele, nem que fosse uma só vez. Que digo? Uma, duas, mil vezes, horas, noites inteiras a carpir nadas; que razões, vizinha do cão que chora? Deitar de uma vez cá para fora histórias de meninos com vidas difíceis com quem trabalho e que absorvo como uma esponja. Uivar a morte da minha mãe que nunca chorei. Uivar a exigência da maternidade. Fotos bonitas de crianças a sorrir, a pendurar bolinhas na árvore de natal e, no entanto, birras; e, no entanto, desaforos; e, no entanto, confrontos. Deve ser mais fácil para as cadelas. Amamentam, nutrem e lambem. Mas, mesmo assim, uivam. Eu não, mas gostava. Agora este aperto. Um país que não se endireita, meninos a brincar aos governos, sem abrigos na rua, pensões que não pagam medicamentos, hospitais a rebentar pelas costuras de doentes e sem médicos para pôr remendos;um mundo às avessas, corrupção, violência, terrorismo.
Trago o uivo do cão da vizinha cá dentro, como uma faca que fere e angustia, precisava de uivar com ele, mil vezes, horas, noites inteiras a carpir nadas; que razões, vizinha do cão que chora?
Quero uivar com o cão da vizinha.

Monday, November 30, 2015

A lógica dos (meus?) miúdos

As nossas agendas são diametralmente opostas às deles. Os nossos timings e prioridades divergem. A forma como vemos o mundo é distinta. A nossa linguagem é carregada de simbolismos, nuances, imagéticas. Eles levam tudo à letra. É demasiadamente flagrante que a lógica dos filhos é diferente da dos pais. Ou será só a dos meus?

1- É lógico que ao fim-de-semana acordem às oito em ponto e que segunda-feira nos vejamos gregas para os tirar da cama!

2- A água, para uma menina, só sabe bem num copo cor de rosa! Evidente!

3- E vai ser tão mais saborosa quanto maior for a vantagem milimétrica em relação ao copo do  irmão!

3- E, claro, não importa que haja um garrafão de sete litros de água em frente do nariz, a primeira coisa que fazem assim que se sentam à mesa é alinhar os copos para ver se - ah! ousadia das ousadias! - o pai (aquele vilão) ousou dar vantagem milimétrica a algum dos dois!

4- Pim pam pum é um critério tão válido como qualquer outro, mesmo nas decisões mais difíceis. Estranho é que os adultos não façam uso dele!

5- As poças de lama e os charcos de água da chuva berram pelos pés dos nossos filhos. Para que saltem, pinchem e se esfreguem. Da mesma maneira que a geada que se acumula no vidro do carro está a gritar para que façam lá desenhos, a pedir dedinhos infantis ou mesmo línguas...

6- É absolutamente evidente e inquestionável que o culpado é sempre o outro. Seja porque "Eu já estava aqui primeiro"ou porque "Foi ele que começou" (em uníssono) ou ainda porque "ele é que anda a..." ou "ela tem a mania de..."
   Com dois anos de idade, a ser desfraldada, a Maria já tinha percebido as regras do jogo: quando chegou tarde de mais à sanita e molhou as cuequinhas afirmou sem hesitar - "Foi o Pêdo!"

7- A roupa em cima da cadeira não é sinónimo de desorganização. Na lógica do meu filho "ela está aí para eu não me esquecer que tenho de a arrumar!" ??????????????????

8- "Cada um para o seu quarto" não é uma resolução de conflito aceitável para nenhuma das partes. Eles podem descabelar-se, engalfinhar-se e gritar, mas se os separámos gritam "nããão". Qual é a lógica? Quanto mais me bates, mais gosto de ti?

Por outro lado, nada do que é óbvio para nós parece ser claro para eles...
 
9-  "Por favor, pára com essa gaita cujos guinchos repetidos incessantemente durante os últimos 15 minutos me estão a levar à loucura!"- "Porquê?"
    
10-  "Não deves dizer à senhora do parque que está gorda nem velha" - "Porquê?"
     
11- "Por favor, cala-te um bocadinho que me dói a cabeça" - "puqué que eu num poxo falar? 
    
12-   "As cortinas não servem para a gente se pendurar ou enroscar nelas..." - "Não?"
     
13-  "Olha que lindo! O ecrã cheio de leite! Lindo!" - "Não, não é lindo..."
     
14-  "Quantas vezes já te disse para não mexeres aí?" - "Cinco." 

LÓÓÓÓGICO!
    



Monday, November 23, 2015

Paz, mundo, paz!

A Europa  está em guerra. Tremo ao dizê-lo. A França reagiu aos ataques terroristas com bombardeamentos. Já não receio apenas deixar aos meus filhos um mundo em que volte a haver fronteiras apertadas, arames farpados e muros. Não temo apenas viver num mundo ameaçado pela sombra terrorista. Receio a guerra. Não consigo sequer supor um mundo em que os nossos filhos tenham de fazer parte de uma guerra. Não os quero alistados. Não os quero em trincheiras. Tremo ao sequer pensá-lo e proferi-lo. Paz, mundo, paz!

Entretanto só me ocorre desejar que, não obstante todas as decisões geopolíticas, todas as convulsões sociais, culturais e religiosas que se avizinham, consigamos, no nosso dia a dia, dar exemplos de tolerância e pacificação. Não podemos permitir que extremismos nos extremem. Pela paz. Pelo futuro dos nossos filhos sem trincheiras. 

Paz, mundo, paz!

Sunday, November 22, 2015

Sexta feira 13


Victims of Paris attacks

Depois da fatídica sexta-feira 13 (que podia ser qualquer outra, assim ditasse o islam, que em árabe significa submissão à vontade de Deus) e daquele fim de semana de bombardeamentos  mediáticos, encontrei adolescentes alvoraçados, desinformados e alarmados. "Professora os terroristas vêm aí...e se morrermos todos?"













Não morremos, descansa. 
Ou melhor, morrer, morremos todos, um dia. Não penses nisso. Não vai ser nada. Anda, vamos mas é rever as funções sintácticas ou  classificar orações ou explico-te o Present Perfect, isso, o Present Perfect, de certeza que já andam a contrastar Present Perfect com Past Simple.

Não morremos, descansa e, no entanto,...

Eu grávida pendurada naquela varanda a pedir socorro em francês.

Eu sobrevivente a lembrar-me de fazer um garrote na perna a sangrar.

Eu morto naquele bar-restaurante La Belle Équipe a atirar-me para a frente para proteger uma amiga de uma bala. Eu, essa amiga que também morreu apesar de.

Eu, ferimentos graves, dois dias a lutar num hospital, sem vencer. Eu, aquela gente toda cá dentro, projectos de vida, afectos, as crianças que ficam órfãs, o viúvo com um bébé, os pais que perderam filhos, o inverso disso também, a grávida que ficou viúva, os namorados que iam casar, os cursos por completar, a fundação para crianças em Madagáscar que uma benemérita fundou e que a morte também colheu, como quereis que vos dê explicações meus queridos, que lógica, que apaziguamento vos posso eu dar, se dentro de mim...

Eu sobrevivente sem saber que as balas atravessam portas, a levar com uma, portanto,
Sobrevivente sobre os mortos, a pisar cadáveres e corpos para fugir.
Eu sobrevivente a pisar corpos no chão, deitados? prostrados? estendidos? abatidos?
corpos, tantos, tenho de avançar para fugir- magoei alguém, porque estão deitados? prostrados? estendidos? abatidos?

Quando vejo notícias não ouço a voz dos jornalistas.
Leio o rodapé e ouço as vozes deles no meu coração.

"Vou ficar aqui muito quieta para que não percebam que estou viva"

"sinto-me fraca. Estou prestes a perder os sentidos. Espero que a ajuda médica chegue rápido. Meus filhos..."

"Tenho de me deixar de trabalhar ao fim de semana. Já lá vão trinta anos de praça. Foi para isto que emigrei, mas dantes não era nada disto. cada vez está pior. então nos jogos. olha para aquilo, parece que já vão arranjar confusão outra vez. esta juventude não sabe vir à bola. e hoje está mais frio. nunca mais chega a hora de ir para casa... o leitinho quente e as bolachinhas com fromage é que marchavam bem agora.... mas que é aquilo? algum verylight, não?"

Que certezas, queridos, que palavras vos direi? Não morremos, descansa... e, no entanto...

"estou deitado no chão, só ouço disparos,gritos e vidros a estilhaçar. os estilhaços caem por toda a parte e atingem toda a gente que ainda há minutos ocupava as mesas a jantar. Estendo a mão à mulher que está ao meu lado para ver se está bem. Foi atingida no peito. Há uma poça de sangue. não tenho a certeza de que consegue respirar..."

"Que fazemos agora? Será seguro sair? tenho a sala cheia de gente estranha e, no entanto, nunca me senti tão próximo de um ser humano como destes estranhos que alberguei instintivamente. Moro mesmo em frente ao Le Carillon. com o alarido espreitei à janela e vi uma dezena de corpos no chão. abri as portas de casa para resgatar os sobreviventes da rua. estamos à espera há horas. em pânico. em sofrimento. em desespero"

Não morremos, descansa que eu hoje trago em mim um cemitério inteiro.

Wednesday, November 18, 2015

Carta aos meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya - Jorge de Sena


 



 



















Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho. 

Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.


Jorge de Sena
Lisboa, 25/6/1959

Saturday, November 7, 2015

tia Cila

Uns dias após a minha Maria ter nascido, a minha tia Cila e o meu tio Lopes, vieram a Bragança DE PROPÓSITO, sublinho, de propósito para me dar um beijinho no hall de entrada, ver a menina e regressar. Eu explico: não é que tenham simplesmente (como se fosse pouco) subido o Marão para nos acarinhar, não. Nesse fim-de-semana tinham ido a Lisboa e, ao voltar para Braga, fizeram um "pequeno DESVIO" (palavras suas) para nos ver. Isto não tem preço. Mas é apenas a ponta do iceberg. 

A minha tia Cila é a figura da matriarca, tanto é que até pelo marido é chamada de MÃE. Eu acho que até do meu pai ela é um pouco mãe; não é "mandinho"?  Quanto a mim, estive debaixo da sua asa protectora desde sempre. Colinho, miminho e "deixa lá a rapariga" para pôr o meu pai no lugar, quando era preciso. Amo-a profundamente - de gratidão, por tudo o que fez por mim, mas também de pura admiração, pela mulher que é.

E é por aqui mesmo que quero começar: não pela tia, mas pela mulher que admiro, a vários níveis:

- A consciência agudíssima do mundo e das coisas; o espírito aberto, numa mulher de outro século, onde o bom senso regula o conservadorismo e vence o tabu;

- A sensibilidade e a atenção para com o próximo- cresci a ver esta grande mulher a ajudar os outros, a comover-se com a dor do próximo, a ter ouvidos e humanismo para quem a rodeia;

- Agora que sou mãe e tia, ainda percebo melhor a dimensão do que intuía em criança, que esta era uma mãe com as letras todas, disposta a tudo pelos filhos a quem deu vida e pelos outros a quem adoptou. (Senti-me debaixo dessa asa protectora até ser bem adulta, ainda que, por vezes talvez o não tivesse expresso; aqui estou - agora!)

- Voltando não à tia, mas à mulher que admiro. Sou mulher, agora, e esposa. Admiro-a nesse papel, também. Inspiradora a forma como construiu e solidificou a sua relação conjugal. Só agora a entendo. Muitas vezes penso se estarei à altura de tanto. Inspirar-me-ei nela, se algum dia fraquejar.

- Também sempre a sua presença feminina. Não sendo uma mulher escultural e sempre de cabelo curto, tem sempre um aspecto cuidado e bem posto. Lembro-me de ser pequena e achá-la perfumada e elegante. Ainda acho. Faz muito jus à ideia de que não é preciso ser magro-top-model para se apresentar bem. Mais um ponto para esta senhora.

- Como mulher ainda admiro a sua forma organizada de gerir a casa, o trabalho e os filhos. Tinha sempre a casa asseada e cheia de gente para merendar. Dava conta de tudo e nunca a ouvi berrar. Muitas vezes penso neste aspecto também para me inspirar... eu que sou tão stressada, ando sempre a mil e pareço nunca dar conta do recado... como é que ela, na sua calma e doçura...

- Admiro-a também no seu papel de filha. Exemplar. Prestável. Meiga. Junto dos seus pais até ao fim.

Mas,
claro que
para mim ...
é muito mais do que um exemplo de mulher.

É a minha tia Cila.
Dizer tia Cila é dizer um sorriso sincero, mas uma lágrima muito fácil, sempre pronta a vir ter com a dor dos outros; é dizer beijinhos repenicados; é dizer generosidade - um coração do tamanho do mundo e umas mãos largas que o acompanham. Dizer tia Cila é dizer
"Comei se quiserdes, se não quiserdes não comais, tendes muito que comer graças a Deus"

e nós comíamos... um saco cheio de sandes, em Esposende, debaixo da nortada, com os lábios roxos e tremelicantes da água (do mar) que estava boa, estava sempre boa; comíamos um saco cheio de sandes - até ao duro - e que bem sabia, com marmelada, planta ou tulicreme! Tulicreme!!!

e nós comíamos...
(coisas que em casa não havia, porque o pai não dava às meninas, ou porque (agora entendo) a nossa dispensa onde, felizmente nunca faltou nada, não contemplava as novidades mais caras que o capitalismo e a globalização começavam a abrir às famílias trabalhadoras como a minha.)

leite achocolatado...línguas de gato...papa Pensal...pintarolas...bombocas!!!! Amêndoas de páscoa, quilos delas a rechear brincadeiras com os primos, principalmente o mais novo, que nos extorqui dinheiro para assistirmos a filmes da Disney num ecrãzinho mixuruca, que, à época nos parecia alta tecnologia Hollywoodesca!


Dizer tia Cila é sentir doces e tantas recordações de infância: o cheirinho de roupa lavada escada encerada acima; pétalas de flores e colchas à janela para assistirmos -todos e muitos- em absoluto silêncio à passagem solene da procissão; presépios com musgo de verdade, luzinhas e muitas figuras em barro; frangos no churrasco com futebol e cartas; Esposendes e Algarves de risota, cantigas e alegria; notinhas dobradinhas discretamente enfiadas no nosso bolso (até à idade adulta)...

Ainda hoje, dizer tia Cila é ser recebido com um sorriso muito grande e um "ó Martinha" que tem lá dentro um "que saudades, que bom que é ver-te, ainda bem que estás aqui, há que tempos que não te via, porque não apareces mais vezes?"

Podia dizer que não tenho palavras para, mas, pelo contrário, tantas. E gestos, mil. Não só a casa, mas a loja - refúgios para mim, ao longo dos tempos. Na primária, o primeiro percurso que aprendi. Colégio - loja. Os deveres junto ao aquecedor, os mimos das tias, safar sacos para ganhar umas moedas. Aquilo significava o mundo para mim. Mais tarde, o meu primeiro "emprego". A primeira vez que fui a um banco sozinha. Experiências do mundo que me ajudaram a crescer. O traje. A ida a Taizé.  Gestos... inúmeros. Mimar a minha mãe até ao fim. Dar colo ao meu pai, depois dela partir. Vir ver o meu marido em risco de vida, sem deixar que a sua perna trôpega fosse mais forte que a força que tinha para lhe dar... Obrigada, tia (e tio - mas para ti há-de vir todo um outro texto).


Adenda ao meu texto pelos de palmo e meio:
"Queremos ir para Altura. Gostamos de estar com os Cilos"










Monday, November 2, 2015

Receita para fazer uma irmã

Depois de um dia repleto para ambos e apesar do cansaço produzimos um texto espectacular, eu e o Pedro. O meu filhote tinha como trabalho de casa, depois de vir da catequese, uma ficha de trabalho de matemática (frente e verso); escrever o nome dos rios (claro que ele queria TODOS, mas lá o demovi...) e, por fim, fazer um poema sobre alguém de quem gostasse baseado neste aqui
Receita para fazer uma avó, de Maria Augusta Silva Neves, no manual Alfa 3 da Porto Editora.  Ora saiu assim, sem muitos aprumos porque o pai já tinha a janta na mesa!


Receita para fazer uma irmã

Tome-se cinco gramas
de tenros anos de idade
Igual peso de bom humor
Q.B. de mimos
Uma raspa de ciúme
E uma pérola de teimosia.
À parte, em banho-Maria,
Prepare-se uma calda de galhofa
Com um cálice de gargalhadas
A ponto de açúcar.
Adicione-se um punhado de brincadeiras
Ligeiramente tostadas,
E três boas colheradas
De asneiras já moídas
Batidas em castelo
Bem firme (pelos pais!!!)
Juntam-se os dois preparados
Envolve-se tudo com "Karaté Italiano"*
Suavemente 
Até ficar em creme.
Coze rapidamente
A alta temperatura
Em forma untada de delicioso carinho.
Polvilha-se
Com chocolate em pó
E doce de morango.
Decore-se 
Com um frasco de pequenos beijos
Eis uma irmã.
Serve-se com molho de cumplicidades.

Pedro Neto, 8 anos

(* brincadeira/dança/música? código entre eles, não me perguntem!!!)

Saturday, October 17, 2015

Crónica a duas mãos sobre como duas cotas vêem a vida nocturna

sipérdueiti Antis foi purqê tiamava....
àgoratomábeibi aistuais consiquênciais...

Não estávamos à espera de ouvir o "Wake me up before you go" do George Michael, o "What a feeling" da Irene Cara ou o "Hurts so Good" de Mellencamp, mas também não há paciência para as kizombadas de mau português e para espaços cheios de homens pançudos de cerveja na mão a alimentá-la! E também não há paciência para o clima de engate descarado foleiro e descharmoso que adensa o ar fumador e os jogos de luzes de talho suburbano...ou será para enquadrar as pré-adolescentes desmamadas maquilhadas alma acima desde o umbigo à mostra até aos piercings mal pregados? Não nos interpretem mal, sem moralismos retrógrados, quem não estava bem ali éramos nós, ó cotas. É como diz o outro, "não há loiça para lavar em casa?" Se calhar tudo batia certo, o que a gente não estava era no nosso habitat natural, mas adiante.
Vamos às aprendizagens. Afinal o que está a dar "na noite" é sair de boné com autocolante e fato-de-treino, daqueles em que as calças parecem fraldas e lhes encurtam as pernas. A eles. Afinal ter "swag" é usar sutiãs pretos por baixo de tops brancos e usar cintas subidas em calças que não disfarçam a celulite precoce para corpos ainda sem partos. Os delas. Afinal ser "in" é estar sentado a uma mesa, em grupo, cada um com o seu telemóvel em riste. (Dá que pensar, estarão a falar no chat uns com os outros para contornar os decibéis ou estão a assistir ao último debate político para, depois, acertarem agulhas nas intenções de voto do gang em peso?).

bailaaaandooo, bailandooo
tu cuerpo y el mio llenando el vacio
subindo y bajando

Quase não se vê ninguém efectivamente bailando.
Os rituais tribais são outros.
Encostar-se ao balcão e esfregar os peitorais à espera que mais alguém repare que os têm insuflados de esteróides anabolizantes. Eles.
Tropeçar nos saltos (as que arriscaram encostar as sapatilhas iguais às deles) e ir penduradas nas amigas até à casa de banho para exorcizar o excesso de álcool misturado com cola zero, para não engordar. Elas.
Quando se encontram ou reencontram, eles e elas, temos esperança de os ver, finalmente bailando. Porém, os rituais tribais são outros.
Tirar selfies abraçados e beber shots acelerados. O refrão devia ser: emborcaaaando, emborcaaanndo. Espera, pensando bem, a letra sempre se coaduna:

Con tu física y tu química también tu anatomía
La cerveza y el tequila y tu boca con la mía
Ya no puedo mas (ya no puedo mas)

Quem não pode mais somos nós. Bora pra casa?

E que dizer do pai da miúda que era colega da nossa filha mais velha quando ambas tinham quatro meses de idade? Pois é! De dia, profissional de seguros, de noite um macaco com cio, com o grão na asa e o gargalo da mini na boca. O olhar turvo, provocador. Qual George Clooney! Nem sequer o Zé Cabra conseguia fazer melhor. É que se ao menos segurasse um copo de absolut citron... ainda dava para meditar, mas nada!

You are a dancing queen, young and sweet, only seventeen...

E vai desta aparece a fedelha a pedir-nos o tampão para estancar o sangue que lhe escorre perna abaixo. Vida maldita. Apetece dizer-lhe tampão não tché. Só cuecas de gola alta e pensos higiénicos XXL para absorção noturna. Não entende, a coitada. Ainda não pariu, não sabe o que é um fluxo. Em contrapartida, aos 15 anos sobeja-lhe a celulite a trepidar nas coxas desnudas, anafadas e engatadas nuns ténis rasos sem sal ou pimenta. Onde estão as saias travadas, as blusas apertadas e os saltos altos de fazer cortar a respiração?

Vamos até ao bar. Caipirinhas? É lá ao fundo. Não há Tom Cruise atrás do balcão. Servem-nos um sumo com sabor a lima e aroma de cachaça. Não chega para ver o Patrick Swaize na pista de dança, o Travolta e a Olívia Newton Jonh. Nem sequer uma miragem!
Ó saturday night fever sem febre nenhuma!

A páginas tantas, elas cansam-se. Invadem a pista de dança e... dançam. Abraçadas umas às outras. A disco foi transformada num baile da aldeia. Há novas e cotas. Nenhum deles tem coragem para quebrar aquele abanar de anca.

Dançando lambada ê, dançando lambada lá... versão  século XXI

Mas o melhor mesmo é o mobiliário típico. Aquele que nos acompanhava há 20 anos e que continua a sair todas as semanas. Peter Pans cheios de estilo. Camisinha justa, conversinha atrás da orelha, sapatinho de verniz com pala comprida e muito inglês a enrolar-se na boca para dar a volta às miúdas do Erasmus. Haja paciência.  Foi para isto que saímos de casa?

Foi. E foi desmotivante e foi divertido. Só não dá para aguentar o smell a tabaco a tresandar na roupa e no cabelo. São quatro da manhã.  O vizinho do segundo que se lixe. Vamos para a banheira limpar o triunfo dos bardinos. Gosto mais do cheiro a Ultra Suave e do gel de coco espalhado no corpo.
A minha cama é de sonho no universo. Há sais de frutos no armário,  mas nem lhes preciso tocar!


por Marta Pereira e Sílvia Brandão


Friday, October 16, 2015

A razão pela qual a mãe transmontana falta ao torneio

Primeiro pensei: a única razão pela qual a mãe transmontana falta ao torneio de futebol do seu filho é, obviamente, a apanha da castanha. 
Não amigos costeiros (durienses, bracarenses e lisboetas). A neve, na província, não impede o forte vínculo materno-futebolístico. Nem a geada. Nem o frio. Talvez nem mesmo a rara pluviosidade. Já estive em estádios sob intempéries, eu minhota contrariada com a bola e vi bancadas vazias cheias de mães-adeptas sem arredar pé. Mas. A castanea. A castanea, também apelidada de petróleo da região transmontana, é fruto de extremado valor comercial não arbitrado pelo senhor de preto do relvado. 
Depois lembrei-me: eventualmente o ouro de trás-os-montes, o azeite, também roubará adeptas às bancadas, para as colocar no lagar. E os enchidos. Nalgum fim de semana há-de ser preciso dar cartão vermelho às assobiadelas e aplausos e mostrar cartão verde às alheiras, ao butelo e à chouriça. 
Não se julgue de materialista ou interesseira esta atitude. Não é priorizar o ouro e o petróleo. É transformá-lo em chuteiras novas para marcar mais golos. 


Tuesday, October 13, 2015

CARN(E) aval*

No dia em que uma amiga minha mudou a sua imagem de perfil (é assim que se diz?) numa rede social, a perplexidade tomou conta de mim. Por uns momentos, vá. Já tenho quarenta anos. Já só se me arrebita  um cantinho da pálpebra da alma, sem se espantar toda, claro está. 
A miúda é mais nova que eu, cruzamo-nos um ano, na dança de escolas que a nossa carreira traz. Simpatizámos, ficámos "amigas" no face. Agradava-me o seu espírito jovem - pareço uma velha a falar, mas, de facto, naquela altura estávamos em diferentes estádios das nossas vidas, isso era até motivo de riso entre nós. Quando nos encontrávamos de manhãzinha cedo para partilhar boleia, ela com os olhinhos inchados de adolescente a quem a noitada pesa e a cama reclama, eu com os olhinhos inchados de mãe a quem a amamentação nocturna pesa e a cama reclama, ríamos com o nosso descubra-as-diferenças da rotina matinal. "Olha, eu hoje quase nem conseguia abrir os olhos para me maquilhar!" "Percebo, de manhã é difícil, eu também já vesti dois corpos com fraldas e roupas de mola, dei biberões, fiz lanches e estendi uma máquina de roupa!".
Agradava-me o seu espírito jovem, dizia eu, e percebem agora ao que me refiro - à sensação de que tinha mais cem anos do que ela!!!Demo-nos bem. A miúda era alegre, vivaça, tinha um sentido de humor extraordinário e perspicaz, alinhava comigo, tinha sempre um sorriso aberto. Um doce. 
A dança das escolas a trouxe e a levou, não perdemos contacto, entendemo-nos pelo face. Gosto das publicações dela, continuo a achar piada às mesmas coisas que ela, emociono-me com posts sobre as suas viagens - mais uma jovem portuguesa que teve de buscar emprego além fronteiras, invejo-lhe a juventude dos posts de farras com amigos, comezainas e sol, gosto de a saber bem, com a mesma alegria de sempre. 
Um dia vejo-lhe a foto alterada e, sem moralismos, porque o que mais há é gente desnuda na internet, penso "que é que lhe deu?"... é que aquilo não batia certo com a ideia que eu tinha dela, a ver se me entendem, teria sido alguém que, por brincadeira, lhe tinha conseguido fazer aquela partida? Assim de repente não a estava a imaginar a expor-se assim, parecia-me que nada tinha a ver com a pessoa que eu havia conhecido. Não me interpretem mal, cada um vive a vida como quer, usa a sua imagem como entende, isso não me perturba. Era só a desadequação entre a percepção que eu tinha daquela pessoa e aquela imagem. 
Não resisti perguntei-lhe por mensagem "o que é que te deu". Com o seu típico sentido de humor desabafou-me ser apenas uma foto de carnaval, que substituiu no minuto seguinte assim que percebeu que nunca tinha tido uma publicação tão popular!!!
Deixa lá, amiga, é carne-aval ninguém leva a mal!


*título brilhantemente sugerido e gentilmente cedido pelo meu entendidíssimo- nestes- assuntos marido

Sunday, October 11, 2015

Coisas incríveis que se podem encontrar na carteira de uma mãe*

 Eu sei que as há para todos os gostos, das mais arrumadinhas às mais metódicas, das que funcionam de improviso às que planeiam tudo geometricamente ao milímetro, mas a verdade é que a carteira das mães é terreno de insondáveis mananciais de inutilidades e resquícios da vida dos nossos filhos, quais fósseis das experiências que vão vivendo na sua ânsia de descobrir o mundo depressa e muito! Acompanhem-me, corrijam-me e acrescentem-me a tralha de que me esqueci, ou, quem sabe, à qual ainda não tive o privilégio de aceder!

1- Na minha carteira nem sempre tenho um penso higiénico ou um tampão quando dele necessito, mas NUNCA podem faltar os mágicos pensos coloridos com bonequinhos, que tudo curam do arranhão ao hematoma (santa ignorância!) e que, portanto, funcionam como verdadeiros isolantes de birras.

2- Brinquedos dos Happy Meals ou dos Kinder... ou pior do que isso, pequenas partes de brinquedos dos Happy Meals e dos ovos Kinder, que já não têm reconstituição possível, porém continuam ali a navegar na esperança de alguma utilidade futura. Não é raro sacar da chave do carro e vir uma mini perna de um Mickey pendurada de arrasto...

3- Pelo menos 50 talões de compra e recibos velhos e amachucados.Ah e cupões fora de prazo! (para que os guardamos se a probabilidade de efectivamente virmos a usufruir deles é tão remota?) Pensando bem, isto nada tem a ver com os miúdos, mas a verdade é que estão lá!


4- Uma pedra, no mínimoOs miúdos adoram enfiar-nos coisas sorrateiramente na carteira. uma pedra preciosa, qual jóia - pedra, calhau, concha ou pauzinho que, com o tempo (sim, porque nós carregamos com aquilo indefinidamente por ignorância, excesso de zelo ou preguiça de limpar a carteira), com o tempo, dizia, se esfacela, esmigalha ou esmaga por forma a criar uma autêntica sedimentação carteirística que PESA! Não à erosão intra-malas; que os putos guardem os seus próprios tesouros arqueológicos!

5- Bolachas esmagadas ou migalhas das últimas que foram consumidas. Estas acrescentam valor fértil à supra-mencionada sedimentação rochosa! No fundo, no fundo... é a nossa afanosa intenção de gerar antibióticos laboratorialmente na carteira! Não é desleixo, é reciclagem e economia familiar!

6- Chicletes duras e secas (possivelmente embrulhadas em pedaços de lenços de papel amarrotados, ou em papéis de rebuçado, ou nos próprios invólucros originais já bastante amolecidos/amarelecidos/encorrilhados com o tempo) resgatadas em SOS de alguma situação imprópria para ruminações - a consulta do dentista, a guloseima que surge, de repente, como mais apetecível do que a pastilha mordida e gasta, o balão que urge soprar e não se consegue com aquilo pelo meio... "Mãe, toma!"...A gente embrulha, GUARDA e depois esquece-se indefinidamente daquele resquício que ali anda, até que um dia, num almoço de colegas, sacamos do telemóvel para mostrar, orgulhosas, as fotos dos pimpolhos e aquilo vem atrás para passarmos do orgulho ao embaraço e vontade de lhes torcer o pescoço!

7- Pronto, confesso, há a remota hipótese de encontrarem um objecto de charme e sedução na minha carteira. Talvez um batom (já muito esmagado pelas tentativas esforçadas da mais pequena) ou um brinco perdido... porém dificilmente encontrarão o par!

8- Óculos de sol e /ou pulseiras, ganchos e bandeletes - deles, não nossas!

*(pronto, está bem, é só na minha!)

Saturday, October 10, 2015

Sentido de estilo - ou de como ninguém sai às pedras da calçada

Quinta-feira, pela tardinha, os dois na banheira . Eu ainda não me tinha "desfardado" da roupa de trabalho, nem desmaquilhado; apenas tinha vestido o roupão azul por cima da roupa. Calçava uns sapatos que eu até acho muito fashion, estilo masculino de cordões, mas em verniz, estão a ver quais são?  (vão perceber já de seguida porque é que estes pormenores sobre a minha vestimenta são importantes).
Segue-se o seguinte diálogo. Eles na banheira, eu sentadinha ao lado.

"Já repararam, filhos, que a mãe hoje pintou os olhos? Fica bem? "
(O Pedro interrompe-me logo)
"Sim, mãe! Estás LIIIIIINNNNDA!"
"Obrigada filho! E tu, gostas Maria? Achas que o pai vai gostar? Que se vai sentir atraído por mim?"
(e ela...)
"Nãaãão...."
"Não? Porquê filhota?"
"Olha, mãe, para ficares atraente tinhas de ter um vestidinho cor de rosa, uns sapatos de cristal e os lábios pintados..."
"Agora... (inflexão de voz inacreditável para a idade) 
Com (muito despachada e as inflexões de voz que não sei onde aprendeu...): ESSE robe, ESSE cabelo, ESSAS unhas e...(levanta-se um pouco da banheira e espreita-me os pés) com essas sapatorras... não tens hipótese!"


Sunday, October 4, 2015

Coisas estranhas que fazemos enquanto mães

Ser mãe é um fenómeno único.Transforma-nos irremediavelmente. Admitam ou não, mas, às vezes, enquanto mães (barra pais, para os que o são como deve ser) temos comportamentos bastante duvidosos. Se não vejamos:

1 - Cheiramos calças de pijama no entrepernas para saber se precisam de ir para lavar... (neguem à vontade, não posso ser a única!)

2- Limpamos remelas aos miúdos com a ponta da unha, já no elevador, quando a luz incide sobre a cara mal lavada. "Tens aqui um cisco!"

3- (Até uma certa idade... enquanto dá, enquanto não começam: "não era assim...") contamos a nossa versão da historinha para os adormecer... "Então era uma lebre e uma tartaruga" (vira a página) "fizeram uma corrida" (vira a página) "a tartaruga ganhou" (vira a página), "fim - cama! Toca a dormir!"

4- Escondemos o material de escritório como se de relíquias se tratasse... todas as mães sabem o valor daquela tesoura que insiste em desaparecer nas manualidades da nossa mais nova naquele exacto momento, de manhã, em que estamos para sair e falta cortar a etiqueta do blaser novo e vai ter de ser à dentada (dentes esses onde já temos pendurada a lancheira da mais nova e as chaves do carro!)

5- Rapamos o prato da papa lambida, porque sobra, porque é pena perder-se, porque sim... e comemos bolachas às escondidas (a eles faz-lhes mal!!!)

6- Fingimos interessar-nos por coisas pelas quais não temos interesse absolutamente nenhum. E, portanto, passamos a vida a dizer coisas tipo "Uau!Espectacular"; "A sério? Não me digas" - sobre coisas que preferíamos mesmo que não nos dissessem! "Mãe sabias que a mãe da Beatriz faz muffins decorados da Princesa Sofia?" (umpf!)

7- "Perdemos" brinquedos inadvertidamente em instituições de acolhimento de outras crianças (que não vivem cá em casa) ou mesmo junto a caixotes de lixo. Nota: quanto maior for o brinquedo, maior a probabilidade de ser perdido!

8- Pela mesma ordem de ideias, "acabam-se" as pilhas de quase todos os brinquedos sonoros das crias. Quanto mais estridente, mais depressa as pilhas "se gastam". Tenho uma amiga cuja filha, quando lhe perguntaram o que queria no natal, respondeu (adivinharam) PILHAS!

9- Roubamos, ou melhor, armazenamos os rebuçados à borla das salas de espera do dentista para podermos dar aos nossos filhos. "Obrigada, mamã!"; "De nada, filhota, agradece à DentalClinic." Espera aí, pensando bem são capazes de sair eles a ganhar (com as tuas cáries)!

10- Mentimos sobre a idade deles para pagar só meio bilhete. "Não, não, mãe, eu já tenho seis anos!"

11- Dizemos que é ilegal quando eles querem fazer algo que não nos apetece ou convém. "É proibido ir aos carrinhos de choque no primeiro dia de férias!"

12 - Mentimos descaradamente. "Não, amor, hoje o jardim zoológico não está aberto. Nem a gelataria. Nem o parque. "(lol)

13- Dizemos a MESMA coisa dez vezes, mas cada vez mais devagar e mais alto, como se fossem surdos. A mesma frase para entenderem?! Descalça as sapatilhas na casa de banho. DESCALÇA. AS SAPATILHAS. NA CASA DE BAAAANHO!

14 - Falamos na terceira pessoa... por que raio? "A mãe vai às compras..." EU!



Saturday, October 3, 2015

Europa-mãe

Eu já estive no Parlamento Europeu em Bruxelas e aí venderam-me um filme diferente daquele a que estou a assistir na actualidade. Vim de lá deslumbrada com o ideal europeu - a ideia de uma família supra fronteiriça  de comunhão civilizacional, económica e ética. A ideia de que não há guerra entre estados-membros. A ideia de que há liberdade de trânsito para pessoas, bens e serviços. E, desde então, nem a austeridade que se abateu no nosso país (e também na minha família em concreto, particularmente por sermos ambos funcionários públicos), nem a austeridade, dizia, me conquistou para posições mais extremistas que defendem a soberania nacional. Nem os ataques terroristas em Madrid me fizeram vacilar do espírito europeísta. 

Quando era estudante universitária usufruí de uma bolsa de estudo e estive um semestre a estudar em Ghent, na Bélgica, no centro da Europa. Apaixonei-me por essa centralidade, o acesso fácil a outros países, a coexistência de várias línguas estrangeiras, todo o carácter vibrante das capitais cosmopolitas e multiculturais. Encantou-me que a Bélgica tivesse fronteiras com diferentes países, (eu que vinha de um onde, para além de hermanos, só mar) - a França, a Holanda, o Luxemburgo, a Alemanha e que estivesse a um saltinho de Itália e até da Grã-Bretanha. Acho que foi a primeira vez que me senti europeia.

Infelizmente, temo que esta Europa esteja a mudar. Constroem-se muros e cercas de arame farpado. Assobia-se para o lado e espera-se que passe.

A crise dos refugiados é uma questão humanitária. Acolhamo-los, pois, que vêm com filhos às costas, em botes de borracha e pé na estrada, a fugir de uma guerra, em busca de esperança. Ponto. Sem ses nem mas. Sem hesitações, nem subterfúgios.

Isto dito, temo que os próprios ideais que nos constroem civilizacionalmente - valores de humanismo, tolerância, civismo, solidariedade, a tríade liberdade, fraternidade, igualdade - venham a ser, paradoxalmente, os que abrem portas ao seu próprio fim.

Temo que o ideal Europeu rua. Que os meus filhos venham a não poder beneficiar de uma bolsa de estudo num estado membro ou a ir de mochila às costas conhecer o velho continente, como eu fui. Temo que este espaço se torne mais belicoso, menos seguro, menos idílico, isso sim.

Mesmo assim, preferirei deixar-lhes uma Europa em convulsão do que ter de explicar-lhes porque, como nação, fechamos os olhos a um flagelo humanitário.

Tuesday, September 22, 2015

"esperei tanto por este dia"

Quem conhece bem o meu filho sabe que a conquista da passada quinta-feira, dia 17 de setembro,  foi muito para além de aprender a dominar duas rodas e um volante.
Para o Pedro foi preciso mais do que pedalar. Houve que dominar as emoções, ultrapassar a frustração, persistir, ultrapassar o medo e superar-se.
"Esperei tanto por este dia!"- confessou à nossa amiga Sílvia que literalmente o guiou nesta conquista, que vibrou com os progressos, que lhe segurou no selim, que o empurrou com gestos e palavras.
Não sei se me fez mais feliz aquilo do que isto. Portanto hoje há muitos motivos de alegria a encher-me o coração. Uma bike, um menino em crescimento e uma amizade forte que já chorou as minhas lágrimas e, agora, ri as minhas gargalhadas. Estas palavras são para ti, amiga: mais uma vez, obrigada.


A mim vêm-me as lágrimas aos olhos de te ver empurrar o meu filho, animá-lo, celebrar com ele!

E a mim enche-me de alegria quando abre aqueles olhos que quase cola as pestanas às sobrancelhas!

Obrigada por tudo. foi perfeito. Mais uma vez fazes parte da nossa história de vida e sempre da melhor maneira!

Mesmo perfeito... se tivéssemos combinado não teria sido tão especial, acredita que também ganhei muito... muita alegria e emoção... inesquecível mesmo...

Então, se foi perfeito - e tão simples - que haja muitos dias destes nas nossas vidas, que saibamos esperar por eles e dar-lhes o devido valor quando surgem.


Thursday, September 17, 2015

Carta ao meu filho no dia em que aprendeu a andar de bicicleta


Parabéns meu filho. Hoje senti-me orgulhosa de ser tua mãe. 
Não foi um dia perfeito, tu sabes disso. Tiveste os teus momentos, as tuas fúrias, os teus gestos de raiva que tanto magoam o pai e a mãe. Num momento estavas a desatinar com a ficha de matemática, a chutar uma cadeira, a atirar-te para o chão e a responder torto ao pai, a partir um lápis aos bocadinhos com a frustração. No momento seguinte estavas a superar essa mesma raiva, a tua frustração de não conseguir dominar a bicicleta, a cair e a por-te de pé, repetidas vezes, sem desistir, aos resmungos, mas sem desistir, até ganhares confiança e equilíbrio. Nessa persistência ganhaste o teu desconforto, a insegurança. Venceste. Com umas mãos amigas e toda a tua coragem e insistência, conseguiste. Muito bem.
Sabes, quando eu era pequena também tive dificuldade em aprender a andar de bicicleta. Caí muitas vezes até aprender. Tinha um pouco de medo, dava-me aquele frio na barriga que eu já te contei que não gosto muito... Lembro-me que me custava equilibrar-me e depois de arrancar tinha dificuldade em parar. Quase sempre atirava comigo para um lado e com a bicicleta para o outro. Era de rir. Também me lembro de ir em cima da bicicleta, meia aos esses, e ver algum obstáculo à frente (um cão, uma pessoa, um buraco ou mesmo uma árvore) e desejar que se afastassem, porque se não eu estampava-me. Também sentiste isso, filho? A verdade é que depois de treinar muitas vezes, sem nunca desistir, lá aprendi. Como tu. Fica-se tão contente quando se consegue depois de todo o esforço, não é? Olha, vou-te confessar uma coisa: ainda hoje não sou lá muito boa a andar de bicicleta. Ando meia torta e não gosto quando ganha muita velocidade. Tenho a certeza que vais andar melhor do que eu. Por isso tenho orgulho em ti amor.
Pensando bem também tive momentos em que desesperava com os exercícios de matemática. Porque eu tinha dificuldade em perceber aquilo assim logo à primeira e ficava impaciente e irritada por não estar a conseguir. Mas depois, como era teimosa, não desistia. Metia na cabeça que tinha de aprender a fazer aquilo, nem que demorasse muito tempo e tivesse de repetir mil vezes. Depois de muito esforço e de errar muitas vezes lá começava a acertar. E era uma sensação tão boa! Chegava aos testes e sabia tudo. Sentia-me muito feliz comigo própria! Sabes como é? Não deves saber porque tu não tens dificuldade nos exercícios, o que tens é pressa de ir brincar e enervas-te porque queres acabar depressa e já nem te consegues concentrar, não é?
E, pronto, a partir de hoje ainda tens mais um motivo para gostares de ir ao parque, mais uma maneira de te divertires e de gastares energias! Não tarda vais andar tão depressa por ali às voltas que eu ainda me hei-de preocupar e ser uma chata sempre a dizer "cuidado, Pedro, podes cair". Aprendeste a andar de bicicleta, filho - parabéns. Vais aprender tantas coisas mais e isso é tão emocionante!
Espero que também tenhas aprendido hoje, filho, que hás-de conseguir sempre tudo aquilo por que te dispuseres lutar. Com essa mesma garra e determinação. Apesar da lama nos joelhos e dos arranhões nas mãos. Até os exercícios de matemática. Até a dificuldade de "pôr em palavras o que estás a sentir", como a mãe te costuma dizer. 
Sabes, ao ver-te avançar naquela bicicleta, muito maior que tu, primeiro aos ziguezagues, pouquinhos centímetros, depois mais controlado e distâncias maiores, senti muito orgulho em ti. A tua energia, a tua vontade de não desistir. O brilho nos olhos. Foste tão longe - até lá cima à ponta do parque! Senti, ao ver-te avançar sozinho naquela bicicleta do teu amigo que irás sempre muito longe. Rodeado de amigos, com uma pequena mão amiga que te larga logo, a palavra certa para te motivar e toda a tua vontade de vencer, hás-de conseguir ir muito longe, filho. Oxalá eu esteja sempre à altura de te dar a tal mão amiga, de te largar no momento certo e de te dizer a palavra certa que despoleta essa vontade de vencer. 










Tuesday, September 15, 2015

Em estado de choque ou pára-lhe o relógio!

Eu não sei. 
Electricidade estática, poderes mediúnicos, energias desreguladas, alergia à electricidade ou simplesmente mãos de princesa que não nasceu para trabalhar... Quem me conhece sabe que eu tenho esta relação com aparelhos, máquinas e electrodomésticos. Eu ligo o interruptor e fundo a lâmpada, eu não posso usar relógio porque me pára no pulso (pára-me o relógio, assim dito até tem piada porque o meu pára literalmente)... eu já estourei duas vezes o motor do exaustor, rebentei a luz interior do micro-ondas, avariei um  frigorífico e o meu fogão funciona porque é a gás!
Não há quem aguente. Tenho alturas em que não posso tocar em ninguém - que dá choque (pensando bem este super-poder até podia dar jeito em certas circunstâncias, mas adiante), nem em nada - que avaria. Misteriosamente. Os técnicos não sabem explicar. Dizem que nunca lhes aconteceu. Que é inédito, invulgar, extraordinário. Ó matemáticos da minha vida, ajudem-me, qual é a probabilidade de me acontecer a MIM tudo o que é raro, excepcional e improvável neste mundo? 
Desta vez foi o telemóvel. Estava a mandar uma mensagem, tranquilamente (dir-se-ia que me acontece quando estou mais stressada, com mais energia, mas, pelos vistos, nem isso...) e o bicho começa a vibrar, a vibrar, como se não houvesse amanhã, e, desde então, nem desligado desvibrava, era tremer e trepidar até lhe tirar a bateria. Porquê? Ora, segundo o técnico (sem desprimor para o mocinho da NOS que tinha cara de quem ali estava em part-time para custear a faculdade) "nunca tal tinha visto". De maneiras que não há quem explique o movimento sísmico do meu telefone... Há novidade!
Pois assim vou electrizando a vida, na esperança de dias mais serenos. Agradeço explicações, palpites e bitaites sejam de carácter científico, espiritual ou afins para remediar a situação. Aberta a despressurizações no espaço, banhos de mãos, limpezas com água salgada, defumações, terapias de choque, etc. Qualquer coisa que contribua para que o termo "avaria" desapareça do meu orçamento familiar como despesa fixa!

Tuesday, September 8, 2015

Quando a mãe está no hospital

Quando a mãe está no hospital não é como quando a mãe está a trabalhar e vem mais logo ou não vem jantar. Que aí a gente até agradece a folga da sopa e dos legumes e come uma pizzas e a vida é bela. Deitamos-nos mais tarde, podemos não lavar os dentes ou vestir o pijama do avesso ou jogar computador até às tantas sem que ninguém nos controle. Quando a mãe não está em casa, porque teve uma reunião ou porque foi a uma formação ou fazer um directo dos fogos de verão a ausência é simpática, é como uma folga, uma abébia. Pode-se puxar os cabelos às manas, deixar a roupa espalhada pelo chão da sala e pular em cima dos sofás. (Pensando bem, quando ela está em casa também acontece...) É bom que a mãe não esteja em casa, às vezes. Dá para arreliar mais o pai e vê-lo aflito, como uma barata tonta a pensar como é que a mãe consegue segurar as pontas. Mas quando a mãe não está em casa porque está no hospital a gente fica sem norte. Não sabemos onde estão as coisas. A pizza sai tostada. O pai não penteia da mesma maneira. Nada está certo. Parece que nem transgredir vale a pena! Por isso, mãe, volta para casa que havemos de te encher o recobro de miminhos, barulho e perguntas para que não sintas falta do silêncio sincopado a bipes de hospital.

Wednesday, September 2, 2015

Regresso à escola - 10 pormenores irritantes(e algumas verdades inconfessáveis) para as mães

Frases de boas vindas para alunos, volta às aulas
O verão escoa-se, os dias encurtam, não tarda os pequenos voltam à escola, um regresso cheio de emoções para pais e filhos. Aqui vão dez verdades inconfessáveis que as mães não revelam à luz do dia:

1) O insondável mistério dos lápis de cor
Todos os anos, pelo menos desde o pré-escolar (3 anos de idade) que compramos uma caixa de pelo-menos-doze lápis de cor. Por que razão transcendental, na altura de (re)construir o estojo, só nos aparecem cores descasadas, cinco pretos, um laranja, dois ou três amarelos e, impreterivelmente, os brancos todos de todas as colecções e marcas que fomos comprando?

2) O impiedoso poder do marketing
A gente vai ao supermercado comprar cenouras e...booom! Um corredor carregado de material escolar cor-de-rosa-lilásico de um lado e azul-vermelho-preto do outro. São prateleiras e prateleiras de Doras, Princesas Sofias e Doutoras Brinquedos VS Homens-Aranha, Hulks e Invizimals e, claro, este ano, Minions. A gente bem tenta convencê-los de que o super kit fantástico do Pingo Doce (que por cinco euros resolve o assunto- desde a mochila à borracha) é espectacular e a condizer, mas dificilmente vencemos as Minnies, Frozens e Violettas! Desconfio que os Star Wars me vão perseguir em pesadelos até à páscoa!
Os pais de meninos mais crescidos não suspirem de alívio. Para vocês há toda uma conspiração de O'Neill, Replay, Billabong, EastPak, Rip Curl, QuickSilver e Converse para ensombrar as mentes tortuosas dos vossos adolescentes! Boa sorte! Este ano, pelo que percebi, há ainda uma parafernália de opções que vos vai fazer desesperar só para escolher a Mochila! Há mochilas com relógio incorporado, com divisória para portáteis, com  colunas, com auscultadores, com Leds e com Power Bank! Ah...a vingança serve-se fria... riam-se agora do Jake e os Piratas na Terra do Nunca!

3) A lista de material escolar
Se fossem só canetas, borrachas e cadernos, a gente não se irritava. Há, porém, tintas e pincéis, compassos, réguas e esquadros, plasticina, marcadores, máquina de calcular, dicionário... sei lá, um dia destes ainda nos pedem que eles levem o verniz de gel para aplicar às professoras! Depois admiram-se que algum inteligente tenha inventado os trolleys para poupar as costas aos gaiatos! Já para não falar em toneladas de manuais escolares, com respectivos livros de fichas e de exercícios... Na era do digital, cada vez que um filho meu vai à escola, abate-se uma floresta!

4) As sapatilhas nunca são suficientes
Ou os pés lhes cresceram à custa das bolinhas de Berlim ou foram torneios intermináveis pelos relvados e quintais mais próximos, um verão inteiro a romper sapatilhas!

5) Roupas
Mas a roupa minga toda com o sol ou as crianças esticam cada vez que dão um mergulho? Voltar à escola é perceber que não há saia que agora não fique "mini" ou calças que não se tenham tornado "capri"(pelo tornozelo) - o que, tudo bem, este ano até está na moda! No entanto, há um critério que se impõe: eles têm de conseguir respirar dentro das T-shirts que ficaram justas ou dar um pontapé na bola sem romper os calções no rabiosque...

6) Rotinas
Depois de um verão de excessos, mergulhos, brincadeiras e desoras até trememos só de imaginar que vamos ter de os ter vestidos, pequeno-almoçados e sorridentes a horas certas na sala de aula. A gente bem se convence que tem de os ir habituando à rotina uns dias antes, mas isso só antecipa o sofrimento...

7)  Almoço
A escola tem cantina, aí os menus são planeados equilibradamente e os nossos filhos nutrem-se com sopa, peixe, legumes e fruta. Ou não. Copos entornados, feijões a voar, o tilintar de talheres e tigelas de estanho por trás dos gritos ensurdecedores dos putos que aprenderam bem a lição em casa: não se fala de boca cheia... berra-se! E daí? Cantina significa alimentá-los menos uma vez por dia do que nas férias! O saldo para os pais é positivo. 

8) Lanches
A gente sabe que devem ser saudáveis e variados. Até aposto que algumas de nós cortam cenouras aos palitinhos e fazem espetadas de fruta fresca e colorida ...em Setembro. Em bom abono da verdade, até ao Natal já nos rendemos ao leite escolar (afinal é pouco achocolatado!) e à comodidade dos Manhazitos embalados...vencem-nos pelo cansaço.

9) Reuniões de pais
Quem inventou a expressão "mãe galinha" estava a pensar no sentido ultraprotector que as mães têm em relação às crias.... e não no ambiente galináceo e cacarejante das reuniões iniciais de ano lectivo em que todas querem os pintainhos na carteira da frente...

10) Amigos
Todas queremos os nossos filhos bem integrados e saudáveis, mas não vale escolher-lhes os amigos ou invadir-lhes o recreio a toda hora. Como é que reagiríamos se eles nos dissessem "Tens de partilhar a tua nova carteira Louis Vuitton com a Joana porque ela é tua amiga" ou "Porque não emprestas o teu bâton à Filipa que é tão tua amiga?"

11) Horas de sono
No nosso mundo ideal temos crianças a dormir 10h por noite, tranquilas, a ir para a cama de livre vontade de pijaminhas bem vestidos e dentes lavados, com historinhas contadas em abraços e orações da noite bem rezadas. Todas sabemos que isto é uma miragem nos primeiros dias de aulas. O mais certo é haver resistência para ir dormir, pinchos de excitação, lutas de almofadas, birras, lágrimas e mesmo insónias de ansiedade. Mais uma vez: o início do ano lectivo é terrível!

12) Despedida
Deixá-los no portão da escola, no primeiro dia de aulas, a temida separação, as lágrimas de despedida... e a fantástica sensação de liberdade que aquele toque nos traz!!!




Thursday, August 27, 2015

Era uma vez duas gémeas que celebravam o aniversário em dias diferentes


Era uma vez duas gémeas que celebravam o aniversário em dias diferentes. (Dito assim provoca-me o riso!) Uma no dia de nascimento, outra, por amor, no dia em que foram registadas. De maneiras que arranjavam forma de comemorar a dobrar, comer mais bolo e tagarelar com dois dias de distância. Também era pretexto para repetirem o café na Brasileira, quatro cafés de saco, quatro bolos de arroz e oito cigarrinhos bem partilhados.
Era uma vez duas gémeas que celebravam o aniversário em dias diferentes, com o imperativo para todos nós familiares e amigos de que nos lembrássemos das duas datas, sob pena de amuo e chantagem emocional. Demasiado tarde era porque "eu já tinha nascido há dois dias". Cedo de mais era porque "o que conta é o que está no papel". E, pronto, jogavam assim com a vida e com a idade, mandando no tempo como mais ninguém.
Essa era apenas a primeira das maravilhosas diferenças que as uniam. Uma era sapatos rasos, a outra "pirulitos"; uma cortes curtos e modernos, outra cabelos longos e clássicos, uma saias curtas, outra vestidos compridos. Uma alta, outra pequena. Uma - filhos, chuteiras e emissões de rádio caseiras, outra – filhas, sapatos de ballet e barbies para pentear. 
Juntas…não se podia. Era riso até às lágrimas, às vezes sem quase terem de falar. A "empiscarem" o olho do riso, a quererem construir frases que não saiam abafadas pelos soluços. “Mas de que é que vocês se estão a rir?” Desabavam na gargalhada, sem conseguir explicar. 
Depois era a cumplicidade, a falarem por meias palavras “faz lembrar a outra”, “como daquela vez”, “lembraste do…”… e nós a Leste, sem referentes para seguir o fio à meada. 
E a mais alta sempre a cutucar o braço da irmã com aquelas unhas enormes de felina. “ó mulher chega-te para lá, pára com isso que me magoas, eu estou-te a ouvir”. Mas a mais alta não, nem sempre ouvia, e então a irmã segredava-lhe verdades inconfessáveis, meia aos berros, meia a falar para dentro, uma a abrir muito a boca para se fazer entender, a outra a abrir muito os olhos para entender, e lá se entendiam, profundamente, umas vezes com mais paciência outras com falta dela, muitas vezes com finais de conversa novamente à gargalhada pelos mal-entendidos provocados. 
De linha e agulhas na mão desfiavam alegrias e tristezas enquanto os filhos brincavam junto ao aquecedor, a ouvir a chuva lá fora. (Chovia mais naquele tempo, não era? Seria para estarmos assim tão quentinhos juntos?) Também das mãos delas: as pantufas de lã colorida (como duendes) que aqueciam os pés pequenos e a marmelada ou geleia para barrar na rosca quentinha.
As gémeas que iam à praça, primeiro a pé, depois – novidade – a carta, o carro, a emoção, a aselhice, o nervoso miudinho. “Ó mulher não me enerves” 
As gémeas que iam à praça, ao cabeleireiro, à peregrinação juntas. E que, juntas, embarcavam em aventuras inenarráveis. Só quem as conhece. O dia da invasão dos aliens. O dia em que se barricaram na Sé de Braga, nada mais nada menos que na Sé de Braga, a catedral, impedindo a entrada dos fiéis, das fervorosas fiéis para a missa matinal... O dia em que, elas próprias, fervorosas fiéis em oração no santuário de Fátima, rompem o silêncio devoto com o palavrão exclamado pela cera a arder!
Era uma vez duas gémeas que não celebravam o aniversário no mesmo dia, teimavam em contrariar-se e se completavam na perfeição. Gémeas por dentro na alegria, na energia, na capacidade de trabalho, na força de viver. A mesma generosidade na ajuda aos outros. O mesmo sentido de humor. A mesma paixão pelos filhos. A mesma GARRA. 
Parabéns gémeas! Hoje e daqui a dois dias, como preferirem. Vocês são modelos de mulher para mim!

Sunday, August 16, 2015

Há aqui bolinhaaaaas!

Há um mês atrás comprei um biquíni brasileiro e comi quatro fatias de pizza no mesmo dia. Na altura achei que havia aqui algum tipo de incongruência. Hoje acho que não. Pensei nisso e deu-me vontade de rir, ao comer uma bolinha de Berlim de alfarroba ENQUANTO lia a Women's Health. É que, neste poderoso cartapácio de iluminação espiritual, li, algures, que "os corpos de verão se conquistam de inverno".  Então lembrei-me de todos os treinos que fiz nos dias frios brigantinos, lambi os bigodes de açúcar da dita bolinha que, fiquei também a saber, equivale a 600 calorias e refastelei-me um pouco mais na cadeira ao sol, a gozar da minha exceção à perseverança e método que me guiam durante o inverno. Pensei também que isto era um brilhante passo em frente na minha mente a preto-e-branco-tudo-ou-nada. Pelo sim, pelo não, ainda não estriei o biquíni brasileiro!
Os homens das bolinhas varejam as praias à procura de negócio. Coisa mais contra-natura: vender bolos gigantes, fritos e com creme sob um sol tostante, quem diria que era ideia de negócio... se ainda fossem gelados, bebidas frescas, fruta ou mesmo coxas de frango, dir-se-ia que vendia, mas assim, vá-se lá entender a mente humana. A verdade é que a fórmula funciona há bons anos e prospera. Com tradição e inovação. Este ano a iguaria está disponível com recheios que vão do morango à nutela e nas variedades de alfarroba, com e sem creme, como as tradicionais. Variam também no tamanho: bolas XL... o céu é o limite! A mim, que nem sou muito gulosa, essa parafernália passa-me ao lado. Encantam-me os pregões. "Tenho aqui duas bolinhas..." grita o homem para gáudio e respostas apicantadas dos veraneantes. "Uma com creme, outra sem creme!!!"
Em quinze dias de férias rendi-me uma só vez a esse sabor da infância, que - vá-se lá explicar porquê - sabe melhor se viermos molhados, com o sal nos lábios e os olhos a piscar da luz do sol e do excesso de sal. Fecho os olhos. Volto a ser filha, a ter oito anos e a bolinha sabe a pais que abrem exceções para nos ver sorrir. Abro os olhos. Volto a ser mãe e mulher. Quebrar as regras é tão importante como defini-las, só que quebrá-las é mais doce!
 
 
 

Friday, July 17, 2015

Não era?


Quinze anos depois consigo mobilidade profissional e um lugar de quadro no litoral. Tudo o que eu sempre quis (?) Famalicão. Ali, coladinho a Braga da minha alma e a Santo Tirso, terra natal do meu marido, terra madrinha dos meus filhos. Devia ficar esfuziante, não era? Os amigos de lá dão-me os parabéns, os de cá fazem um sorriso amarelo de perplexidade "era o que tu querias, não era?" e eu encolho os ombros e a alma num arrepio de assombro, o meu não menor que o de toda a gente.

"era o que tu querias, não era?"
A notícia é recebida, quinze anos mais tarde ( ou deveria dizer quinze anos tarde de mais?) com um misto de surpresa, satisfação agridoce coalhada em dúvidas e medo, montanhas de medo.
Afinal a situação já não era sustentável... quilómetros diários de estradas de montanha, entre geadas, milhafres, burros e javalis em aldeias recônditas, deixar os meus filhos de madrugada na escola, só eles e o guarda-nocturno e, às vezes, o padeiro; deixá-los um dia todo numa terra sem ninguém: o pai na cidade ao lado, a mãe a uma hora e 90 km de distância; numa terra sem tios nem avós nem primos, só vizinhos amáveis e amigos disponíveis a quem não queremos incomodar. O que é que um gajo há-de dizer? "Se precisares de alguma coisa com os meninos..."; "Está bem, está combinado, todos os dias às 6.30 da matina, na hora do sono morninho, a nevar lá fora..."
Afinal a situação já não era pacífica...num distrito demograficamente deprimido, com a subida da idade da reforma e o aumento do número de alunos por turma, as perspectivas, a médio prazo, não eram de uma melhoria no plano profissional. 
"era o que tu querias, não era?"
Era. Foi. Ou por outra, não queria ter investido quinze anos de vida numa região em prol de uma estabilidade que deixou de existir. Queria não TER DE querer fugir de um distrito carregado de horários zero, onde a mobilidade não funciona porque todos os colegas alegam "condições específicas" e me passam à frente condenando-me ao desterro em pontos geográficos que, realmente, não eram bem o que eu "queria", zonas desconhecidas, como acusava o GPS no carro da colega de boleias: "zona não cartografada"! Condições específicas, tell me about condições específicas: uma minhota exilada por de trás dos montes, sem mar, nem martelinhos de S. João, nem peixe fresco, nem frigideiras do cantinho, com dois filhos de fraldas e reuniões pós-laborais incompatíveis com elas, um pai que leva as fraldas sujas com os filhos dentro para essas mesmas reuniões, enquanto deu, enquanto esteve numa escola da cidade e era visto como um professor exemplar, que preparava os alunos de excelência e os ajudava a entrar em medicina até que não. Específicas, as condições, bem tinha tanto para dizer sobre a especificidade das minhas condições aqui, verdadeira funcionária pública, ao serviço do estado, sempre, na honestidade, onde fosse preciso, a começar do zero, com casas alugadas sem trastes nem tarecos, que empurramos Marão acima, vencíamos o mundo, derretemos a nossa juventude nisto... tinha tanto para dizer sobre a especificidade das minhas condições aqui, mas isso dava todo um outro post...

(enfim, parece que também há alguma frustração à mistura)

"era o que tu querias, não era?"
Era, mas que dizer, a perspectiva de abandonar trás-os-montes, quinze anos depois, tem tanto de promissor como de aterrador. Bragança faz parte da minha história, da nossa história de família. Aqui me apaixonei, tive dois filhos, quase perdi o marido, construí memórias, teci laços, mudei vidas - sou professora, lembram-se? Aqui aprendi, já de adulta, o que era o amor e a amizade, mas também a inveja e o mau-carácter, maturei com tudo isso.
Esta cidade viu os meus filhos nascer e crescer. Fiz questão que nascessem cá, no tal distrito despovoado, onde um certo provincianismo arrasta as gestantes locais para partos em clínicas privadas no Porto ou mesmo hospitais públicos nas grandes metrópoles, onde, julgam, serão "melhor atendidos". Eu, pelo contrário, quis parir cá, para que os serviços não fechem e para usufruir de cuidados mais individualizados, que o reduzido número de partos permite. Viram a luz do dia em Bragança, os meus dois filhos, um no verão, a outra no inverno, ambos bebés "refeitinhos" e felizes. Daquele e desta o pai apanhou uma borracheira de alegria, com amigos de cá, que nos mimaram e afagaram os nossos recém-nascidos como deve ser. E depois, esta cidade deu-lhes o berço institucional a substituir o colo dos avós que estavam longe. Deu-me o luto da mãe que perdi, a lua-de-mel que o ordenado de contratada não cobria, o puerpério das crias, o mestrado sofrido com horário completo na escola e a recuperação do susto que a vida pregou ao meu marido. Tudo cá. Com afectos de avós emprestadas, amigas que se fazem irmãs de alma e vizinhos que, na manta, partilham dos melhores momentos que tenho hoje em dia. Sou muito feliz naquela manta, já o disse, com as crianças a correr no verde, os nossos desabafos maternais e o bom humor de primavera a purgar as maleitas do dia-a-dia.

"era o que tu querias, não era?"
Mudar de casa, de vida, de amigos nossos e dos filhos. Perguntámos aos filhos se era isso que queriam. A Maria quer mudar para uma casa em Londres, com piscina (?!), o Pedro quer ir para o pé das primas e dos avós, desde que haja um clube onde treinar. O pai e a mãe complicam mais. Fazem contas a uma casa para vender ou alugar ou suspender, fazem contas a tudo o que têm dentro de casa para transportar: objectos, planos, projectos, afectos. Nas contas dos pais há muitas variáveis - não é só somar, ou subtrair (dependendo do ponto de vista). Nas contas dos pais há uma alegria enlutada que não responde à pergunta "era o que tu querias, não era?"

Thursday, July 16, 2015

NÃO me BERRES

A mãe que ferve em mim quando o meu filho responde torto tenta segredar à mulher madura que sou que, um dia, esta tenacidade, esta audácia há-de ajudá-lo na vida. Pode vir a ser líder, a ter voz própria, a saber dizer que não aos outros e a fazer valer a sua vontade. 
No entanto, nesta fase, isso está tão longe do que esperámos dele, perturba tanto as nossas rotinas, a nossa tranquilidade que me leva ao desespero.
Viver assim com um menino desafiante pode tornar-se extenuante e comprometedor do equilíbrio familiar. Sinto, muitas vezes, que é um inferno. Que não estou à altura do desafio que é educá-lo na liberdade de ter vontade própria, mas uma que respeite os outros e que não se faça agressiva ou desadequadamente. 
Não gosto que resmungue e se queixe de tudo, que seja ingrato, mal agradecido, ego-centrado. Nunca está satisfeito com nada, nunca dá valor a nada. É triste e injusto para nós, por mais que façamos, nunca está feliz. 
Não gosto que seja tão pouco cuidador da irmã, que a não tolere, que não ceda. Pelo contrário, disputa tudo como se tivessem a mesma idade, não condescende minimamente, não abdica, tudo taco a taco...
Não gosto da falta de colaboração connosco, da falta de boa vontade. Um castigo para as rotinas diárias (vestir, lavar dentes, comer). Um sacrifício para pequenas tarefas (levantar uma mesa, fazer uma cama...). Um tsunami para nos acompanhar ao café ou para ir às compras.
Não gosto da desobediência, do confronto directo, da atitude desafiante. "Faz Y"; "Não faço"... pergunto-me de onde vem tanta hostilidade, tanta desavença...
Não gosto que se atire para o chão a berrar, em qualquer situação, em qualquer lugar, perante qualquer público, devido a um contexto antagonizante ou uma frustração.

E perco a cabeça... demasiadas vezes, muitas mais do que gostaria. O que gostaria... Gostaria de ajudar o meu filho a encontrar a sua voz que não fosse sussurrante, nem aos gritos, mas clara e assertiva. Queria que ele comunicasse connosco da forma que nem eu, às vezes, consigo comunicar....

Tuesday, June 16, 2015

(Dis)(con)cordar


Fizemos catorze anos de casamento sem nos lembrarmos da data... É como diz o cartoon, a partir de certa altura, só o facto de se continuar casado já é motivo de celebração! A mim não me parece ter passado tanto tempo, pese embora eu diga muitas vezes a brincar que já lá vão cento e quarenta anos! Parece que foi no outro dia que não cumpri o protocolo e te pedi em casamento, que não cumpri o protocolo e esperei por ti na igreja, que não cumpri o protocolo e te conduzi a casa, vestida de noiva, depois de uma boda cheia de amigos, alegria e copos! Parece que foi no outro dia que não cumpriste o protocolo e me juraste felicidade em vez de fidelidade. Parece que foi no outro dia que não cumprimos o protocolo, empilhaste as notas e adormeceste. Parece que foi no outro dia que os nossos amigos não cumpriram o protocolo e disseram "ya men" em vez de "amen", e que nos banharam de cerveja em vez de arroz e que nos tocaram à porta depois da noite de núpcias. Foi no outro dia, não vai há muito. Vai há dois filhos atrás. Depois tornámo-nos excelentes pai e mãe e, por inerência, pior esposos. Dos que se esquecem um do outro porque as crianças estão primeiro. 

Pensando bem quase nunca foi protocolar e ainda bem. Nunca concordamos muito (somos dois seres demasiado livres para concordar), nunca foi da cor dos filmes, nem com banda sonora romântica por trás. E, hoje, ou há dois dias atrás, é tempo de renovar os votos, na certeza de que (quase) só te dei aquele sim na vida e que, se é para prometer, então prometo que continuarei a discordar e a dizer-te muitos nãos pela vida fora.