Tuesday, February 24, 2015

Brilhante, luminosa*

Eu tenho uma aluna que leva tudo à frente: colegas, professores, tabuleiros da cantina, o que for preciso. Ninguém a detém, ninguém a cala, ninguém a verga. É uma ira, uma raiva existencial que a move. 

Sei o que sente. 
Compreendo-a e dói-me cada palavrão, cada arremesso, cada birra, como se fossem lágrimas de desespero e desamparo. Dói-me aquela orfandade, aquela juventude roubada, aqueles gestos de fúria que eu acalmaria, se pudesse, com colo, abraços mornos e mãos quentes.

Traz inculcada na pele a precariedade da vida humana, o contra-senso da morte, a finitude e a imediatez  de tudo, a urgência de sermos felizes, a voracidade pela vida, a fugacidade da mesma...

Traz inculcada na pele, simbólica e literalmente, a mãe, que cuidou até à morte. Naquela tatuagem, tudo. Uma vida e a sua morte. O amor e a raiva. A saudade e a vingança.

Sei o que sente.Também perdi a minha. Afixei-a em mim também. Trago a sua aliança, no dedo e na alma. Nunca vou achar justo, nem lógico, nem certo, nem nada. Mas pego nessa raiva e transformo-a em vida, em energia, em luta. Os outros que nos rodeiam não têm culpa. Também são frágeis e estão tão sós e desesperados como nós. Todos os seres humanos no mesmo barco, querida, a tentarem ser felizes, a procurarem o seu caminho...

Encontra o teu, se puderes, um caminho da paz, sem conflitos. O amor cura tudo. "Abraçados CONTRA a morte", diz a canção do Abrunhosa. Vinga-te da vida com sorrisos, gargalhadas e afectos. Quando te apetecer gritar, canta - que já te ouvi fazê-lo e, acredita, acendes uma estrela no céu quando o fazes!

(*significado do teu nome)

A pessoa ideal

        Depois de anos, sete e meio para ser exacta, a ouvir da "energia", "força" e "vida" desta criança, eufemismos para não nos dizerem de chofre que consideram o comportamento do nosso filho inadequado ou excessivo, marcámos consulta. Não por concordarmos com estes diagnósticos de treinadores de bancada que, na melhor das intenções, admitimos, nos aconselharam médicos, psicólogos, espíritas e mesmo bruxos. Para mim e para o pai, ele é um menino inteligente, sensível e a aprender, como nós, a gerir emoções que lhe galopam o coraçãozinho maior que o corpo. Porém, desta vez, porque o seu habitual estado de ansiedade despoletou um comportamento que poderia vir a ser prejudicial para a saúde invejável que tem, fomos à médica. Bastou lá irmos uma vez para o Pedro perceber que comer papel, lápis e borrachas era perigoso. Ela fez-lhe um desenho do aparelho digestivo e ele entendeu. Parou. Não que nós já não houvéssemos explicado, mas connosco é aquele eterno espaço de transgressão. Adiante.
       Porque o ponto do meu registo não era o roer dos lápis, mas o que o lápis, na consulta, revelou sobre a criança completa, feliz e realizada que o meu filho é. Fiquei orgulhosa da sua resposta; quero que se lembre dela daqui por muitos anos, quando a vida o contrariar.
    A médica pediu-lhe que desenhasse a sua família. Lá estávamos: eu, o pai, ele e a mana. Perguntou-lhe qual daquelas pessoas é que ele gostaria de ser e ele, muito pragmático: "Como assim? Eu já sou uma pessoa destas; eu sou este; sou o Pedro!". E ela insistiu, "sim, mas se pudesses ser uma outra destas pessoas da família, quem querias ser?" ... "Ninguém, eu gosto de ser eu, gosto de ser quem sou".
    Nada mais do que foi dito me marcou tanto como esta resposta. Bem hajas, filho, pelo amor próprio e a auto-estima! Nunca te esqueças que nós também gostamos muito da pessoa que tu és!