Thursday, March 24, 2016

Apneia

      No dia do pai a Mary desenhou-o com uma enorme cicatriz na barriga. Agora, assim que o jantar termina, enfiam-se-lhe na cama abraçadinhos a ele, a ver os Morangos Com Açucar e o Shin-Chan. Felizes por tê-lo em casa. Isso enche-me o coração. Não podemos negar que estas hospitalizações deixam cicatrizes na nossa família, por dentro e por fora. Pelos vistos, não apenas no pai. Os pequenos ajudam os grandes a cicatrizar. Isso vale ouro.
      De novo, subir aquelas escadas em mármore. O coração aos pontapés dentro do peito e não do esforço. Uma angústia visceral, um nó nas tripas. Aqueles degraus que subi grávida para ir dar à luz o Pedro. E depois a Maria. E depois a pisar com força a mármore branca e gélida pelo Renato, a correr, a correr, escada acima, como se tivesse urgência. Como se pudesse diminuir a urgência dele. Como se correndo lhe salvasse a vida. Os degraus tão marmóreos, eu a ferver. Daquela vez. E agora. Com o coração aos pulos e a respiração alterada chego à antesala do bloco. A espera. Como há um ano. O relógio de parede. Dou voltas naqueles metros quadrados. Assomo à janela, vejo a ambulância, lá em baixo, a que o levou para o Porto, em risco de vida. Abano a cabeça, para afastar as memórias. É inevitável. O mesmo sítio. O mesmo aperto. A mesma angústia. Caminho para cá e para lá. Tenho a garganta seca. O relógio devolve-me a mesma hora, mais dois minutos passados. Volto à  janela, para olhar para fora. Cá dentro está um ar abafado; há um grupo de populares a visitar um doente, cheiram a fumeiro e pouca higiene. Nauseia-me. O meu estômago aperta-se, dá umas voltas, como um nó. Da janela, desta vez, olho para o céu. E rezo.
      Duas horas e meia. Não sei se respirei nesse período. O cirurgião vem ter comigo. Correu tudo bem, mas temos de conversar. Nesse momento sei que não respirei. Correu tudo bem. E eu à espera do mas, do no entanto, do ainda assim. Dificuldades técnicas, mudar a câmara, aderências, procedimentos a seguir. Para além de não respirar, parece-me que também deixei de ouvir bem. Só a visão, apuradíssima. Fixava regaladamente o fundo daqueles olhos azuis do cirurgião, à procura de uma certeza, de um alívio, de um sinal para poder respirar outra vez. Estava com suores frios e ocorreu-me que estivesse prestes a desmaiar. Respira fundo, ordenei-me internamente. Finalmente um mas libertador. Mas está tudo bem e vai recuperar. 
      Lençóis brancos com logótipo azul. Tubos e soros pendurados. Máquina com dígitos vermelhos. Recobro. Já basta!

Saturday, March 19, 2016

Dia do pai nas minhas palavras

Pais há muitos. De muitas formas e feitios. 
Permissivos, autoritários, brincalhões, severos, diligentes, irresponsáveis, meigos ou agrestes. Ou um pedaço disto tudo em momentos diferentes. 

Há pais asfixiantes, que hipercontrolam e limitam; há pais liberais que confiam no destino; há pais ciumentos e possessivos, que acreditam ser donos dos seus filhos, poder moldar-lhes as vidas; há pais que não balizam em absoluto.

Há pais ausentes que estão lá sempre 
pais presentes que lá não estão nunca. 

Alguns são genitores, porque pouco mais fizeram do que isso. Gerar. 
Por mais que corra mundo nunca vou deixar de me surpreender com os filhos destes. 
Por mais que os pais lhes falhem, por mais que errem, negligenciem, agridam, magoem, desiludam ou violentem de variadíssimas formas, há nos filhos o íntimo desejo de primeiro, fingir ou negar; depois, desculpabilizar, atenuar, abafar ou minimizar. 
E, sempre, sempre, sempre ... perdoar, acolher, investir, idealizar, acreditar de novo, enfim, resgatar a figura paterna que falhou. 
Afinal parece não ser fácil ignorar ou esquecer quem nos deu vida, pelo menos uma vez. Como se um elo primordial os impelisse. Como se fosse uma pulsão instintiva ou um vazio metafísico para preencher.
 
Felizmente por cada caso anómalo destes existem milhares de pais de verdade, que são mais que genitores. Pais de verdade. Que cuidam. Mimam. Dão vida e salvam a vida dos filhos de várias maneiras ao longo dos anos. A tomada coberta. A corrida atrás da bola para que lá não vá o menino. A vigília em noites de febre. O telefonema de madrugada quando a audácia da juventude corre mal.
 Os pais de verdade dão vida com várias partes do corpo. A mão sob o abdómen para que aprenda a nadar. Os braços no ar para que os filhos voem. O ombro para chorar. As cavalitas para ver o herói no palco. Os pés para indicar o caminho. Os lábios para aconselhar ou calar. Os ouvidos e o coração para escutar. O colo para os trambolhões da sorte e do destino.
Um bem haja, neste dia, aos pais que o são com o corpo todo e a alma inteira.

Dia do PAI nas palavras dos meus filhos




 Pedro:
"Ser pai...
É ser bom,
é cuidar dos seus filhos
e tratá-los com amor,
é ser um grande pai,
grande pai como o meu, 
é ajudá-los sempre,
é gostar e amar os seus filhos,
é estar com carinho no seu coração,
como nós para ele,
é estar sempre connosco,
é brincar sem parar,
é ser boa pessoa e
dar-nos todo o seu amor."



Maria:
"Sou menina pequenina
Do tamanho de um botão
Trago o papá no bolsinho
E a mamã no coração.
Um dia o bolsinho rompeu-se 
E o papá caiu ao chão
Peguei-lhe com muito jeitinho
E pu-lo no meu coração!"