Sunday, November 22, 2015

Sexta feira 13


Victims of Paris attacks

Depois da fatídica sexta-feira 13 (que podia ser qualquer outra, assim ditasse o islam, que em árabe significa submissão à vontade de Deus) e daquele fim de semana de bombardeamentos  mediáticos, encontrei adolescentes alvoraçados, desinformados e alarmados. "Professora os terroristas vêm aí...e se morrermos todos?"













Não morremos, descansa. 
Ou melhor, morrer, morremos todos, um dia. Não penses nisso. Não vai ser nada. Anda, vamos mas é rever as funções sintácticas ou  classificar orações ou explico-te o Present Perfect, isso, o Present Perfect, de certeza que já andam a contrastar Present Perfect com Past Simple.

Não morremos, descansa e, no entanto,...

Eu grávida pendurada naquela varanda a pedir socorro em francês.

Eu sobrevivente a lembrar-me de fazer um garrote na perna a sangrar.

Eu morto naquele bar-restaurante La Belle Équipe a atirar-me para a frente para proteger uma amiga de uma bala. Eu, essa amiga que também morreu apesar de.

Eu, ferimentos graves, dois dias a lutar num hospital, sem vencer. Eu, aquela gente toda cá dentro, projectos de vida, afectos, as crianças que ficam órfãs, o viúvo com um bébé, os pais que perderam filhos, o inverso disso também, a grávida que ficou viúva, os namorados que iam casar, os cursos por completar, a fundação para crianças em Madagáscar que uma benemérita fundou e que a morte também colheu, como quereis que vos dê explicações meus queridos, que lógica, que apaziguamento vos posso eu dar, se dentro de mim...

Eu sobrevivente sem saber que as balas atravessam portas, a levar com uma, portanto,
Sobrevivente sobre os mortos, a pisar cadáveres e corpos para fugir.
Eu sobrevivente a pisar corpos no chão, deitados? prostrados? estendidos? abatidos?
corpos, tantos, tenho de avançar para fugir- magoei alguém, porque estão deitados? prostrados? estendidos? abatidos?

Quando vejo notícias não ouço a voz dos jornalistas.
Leio o rodapé e ouço as vozes deles no meu coração.

"Vou ficar aqui muito quieta para que não percebam que estou viva"

"sinto-me fraca. Estou prestes a perder os sentidos. Espero que a ajuda médica chegue rápido. Meus filhos..."

"Tenho de me deixar de trabalhar ao fim de semana. Já lá vão trinta anos de praça. Foi para isto que emigrei, mas dantes não era nada disto. cada vez está pior. então nos jogos. olha para aquilo, parece que já vão arranjar confusão outra vez. esta juventude não sabe vir à bola. e hoje está mais frio. nunca mais chega a hora de ir para casa... o leitinho quente e as bolachinhas com fromage é que marchavam bem agora.... mas que é aquilo? algum verylight, não?"

Que certezas, queridos, que palavras vos direi? Não morremos, descansa... e, no entanto...

"estou deitado no chão, só ouço disparos,gritos e vidros a estilhaçar. os estilhaços caem por toda a parte e atingem toda a gente que ainda há minutos ocupava as mesas a jantar. Estendo a mão à mulher que está ao meu lado para ver se está bem. Foi atingida no peito. Há uma poça de sangue. não tenho a certeza de que consegue respirar..."

"Que fazemos agora? Será seguro sair? tenho a sala cheia de gente estranha e, no entanto, nunca me senti tão próximo de um ser humano como destes estranhos que alberguei instintivamente. Moro mesmo em frente ao Le Carillon. com o alarido espreitei à janela e vi uma dezena de corpos no chão. abri as portas de casa para resgatar os sobreviventes da rua. estamos à espera há horas. em pânico. em sofrimento. em desespero"

Não morremos, descansa que eu hoje trago em mim um cemitério inteiro.

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