Uns dias após a minha Maria ter nascido, a minha tia Cila e o meu tio Lopes, vieram a Bragança DE PROPÓSITO, sublinho, de propósito para me dar um beijinho no hall de entrada, ver a menina e regressar. Eu explico: não é que tenham simplesmente (como se fosse pouco) subido o Marão para nos acarinhar, não. Nesse fim-de-semana tinham ido a Lisboa e, ao voltar para Braga, fizeram um "pequeno DESVIO" (palavras suas) para nos ver. Isto não tem preço. Mas é apenas a ponta do iceberg.
A minha tia Cila é a figura da matriarca, tanto é que até pelo marido é chamada de MÃE. Eu acho que até do meu pai ela é um pouco mãe; não é "mandinho"? Quanto a mim, estive debaixo da sua asa protectora desde sempre. Colinho, miminho e "deixa lá a rapariga" para pôr o meu pai no lugar, quando era preciso. Amo-a profundamente - de gratidão, por tudo o que fez por mim, mas também de pura admiração, pela mulher que é.
E é por aqui mesmo que quero começar: não pela tia, mas pela mulher que admiro, a vários níveis:
- A consciência agudíssima do mundo e das coisas; o espírito aberto, numa mulher de outro século, onde o bom senso regula o conservadorismo e vence o tabu;
- A sensibilidade e a atenção para com o próximo- cresci a ver esta grande mulher a ajudar os outros, a comover-se com a dor do próximo, a ter ouvidos e humanismo para quem a rodeia;
- Agora que sou mãe e tia, ainda percebo melhor a dimensão do que intuía em criança, que esta era uma mãe com as letras todas, disposta a tudo pelos filhos a quem deu vida e pelos outros a quem adoptou. (Senti-me debaixo dessa asa protectora até ser bem adulta, ainda que, por vezes talvez o não tivesse expresso; aqui estou - agora!)
- Voltando não à tia, mas à mulher que admiro. Sou mulher, agora, e esposa. Admiro-a nesse papel, também. Inspiradora a forma como construiu e solidificou a sua relação conjugal. Só agora a entendo. Muitas vezes penso se estarei à altura de tanto. Inspirar-me-ei nela, se algum dia fraquejar.
- Também sempre a sua presença feminina. Não sendo uma mulher escultural e sempre de cabelo curto, tem sempre um aspecto cuidado e bem posto. Lembro-me de ser pequena e achá-la perfumada e elegante. Ainda acho. Faz muito jus à ideia de que não é preciso ser magro-top-model para se apresentar bem. Mais um ponto para esta senhora.
- Como mulher ainda admiro a sua forma organizada de gerir a casa, o trabalho e os filhos. Tinha sempre a casa asseada e cheia de gente para merendar. Dava conta de tudo e nunca a ouvi berrar. Muitas vezes penso neste aspecto também para me inspirar... eu que sou tão stressada, ando sempre a mil e pareço nunca dar conta do recado... como é que ela, na sua calma e doçura...
- Admiro-a também no seu papel de filha. Exemplar. Prestável. Meiga. Junto dos seus pais até ao fim.
Mas,
claro que
para mim ...
é muito mais do que um exemplo de mulher.
É a minha tia Cila.
Dizer tia Cila é dizer um sorriso sincero, mas uma lágrima muito fácil, sempre pronta a vir ter com a dor dos outros; é dizer beijinhos repenicados; é dizer generosidade - um coração do tamanho do mundo e umas mãos largas que o acompanham. Dizer tia Cila é dizer
"Comei se quiserdes, se não quiserdes não comais, tendes muito que comer graças a Deus"
e nós comíamos... um saco cheio de sandes, em Esposende, debaixo da nortada, com os lábios roxos e tremelicantes da água (do mar) que estava boa, estava sempre boa; comíamos um saco cheio de sandes - até ao duro - e que bem sabia, com marmelada, planta ou tulicreme! Tulicreme!!!
e nós comíamos...
(coisas que em casa não havia, porque o pai não dava às meninas, ou porque (agora entendo) a nossa dispensa onde, felizmente nunca faltou nada, não contemplava as novidades mais caras que o capitalismo e a globalização começavam a abrir às famílias trabalhadoras como a minha.)
leite achocolatado...línguas de gato...papa Pensal...pintarolas...bombocas!!!! Amêndoas de páscoa, quilos delas a rechear brincadeiras com os primos, principalmente o mais novo, que nos extorqui dinheiro para assistirmos a filmes da Disney num ecrãzinho mixuruca, que, à época nos parecia alta tecnologia Hollywoodesca!
Dizer tia Cila é sentir doces e tantas recordações de infância: o cheirinho de roupa lavada escada encerada acima; pétalas de flores e colchas à janela para assistirmos -todos e muitos- em absoluto silêncio à passagem solene da procissão; presépios com musgo de verdade, luzinhas e muitas figuras em barro; frangos no churrasco com futebol e cartas; Esposendes e Algarves de risota, cantigas e alegria; notinhas dobradinhas discretamente enfiadas no nosso bolso (até à idade adulta)...
Ainda hoje, dizer tia Cila é ser recebido com um sorriso muito grande e um "ó Martinha" que tem lá dentro um "que saudades, que bom que é ver-te, ainda bem que estás aqui, há que tempos que não te via, porque não apareces mais vezes?"
Podia dizer que não tenho palavras para, mas, pelo contrário, tantas. E gestos, mil. Não só a casa, mas a loja - refúgios para mim, ao longo dos tempos. Na primária, o primeiro percurso que aprendi. Colégio - loja. Os deveres junto ao aquecedor, os mimos das tias, safar sacos para ganhar umas moedas. Aquilo significava o mundo para mim. Mais tarde, o meu primeiro "emprego". A primeira vez que fui a um banco sozinha. Experiências do mundo que me ajudaram a crescer. O traje. A ida a Taizé. Gestos... inúmeros. Mimar a minha mãe até ao fim. Dar colo ao meu pai, depois dela partir. Vir ver o meu marido em risco de vida, sem deixar que a sua perna trôpega fosse mais forte que a força que tinha para lhe dar... Obrigada, tia (e tio - mas para ti há-de vir todo um outro texto).
Adenda ao meu texto pelos de palmo e meio:
"Queremos ir para Altura. Gostamos de estar com os Cilos"
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