Saturday, October 3, 2015

Europa-mãe

Eu já estive no Parlamento Europeu em Bruxelas e aí venderam-me um filme diferente daquele a que estou a assistir na actualidade. Vim de lá deslumbrada com o ideal europeu - a ideia de uma família supra fronteiriça  de comunhão civilizacional, económica e ética. A ideia de que não há guerra entre estados-membros. A ideia de que há liberdade de trânsito para pessoas, bens e serviços. E, desde então, nem a austeridade que se abateu no nosso país (e também na minha família em concreto, particularmente por sermos ambos funcionários públicos), nem a austeridade, dizia, me conquistou para posições mais extremistas que defendem a soberania nacional. Nem os ataques terroristas em Madrid me fizeram vacilar do espírito europeísta. 

Quando era estudante universitária usufruí de uma bolsa de estudo e estive um semestre a estudar em Ghent, na Bélgica, no centro da Europa. Apaixonei-me por essa centralidade, o acesso fácil a outros países, a coexistência de várias línguas estrangeiras, todo o carácter vibrante das capitais cosmopolitas e multiculturais. Encantou-me que a Bélgica tivesse fronteiras com diferentes países, (eu que vinha de um onde, para além de hermanos, só mar) - a França, a Holanda, o Luxemburgo, a Alemanha e que estivesse a um saltinho de Itália e até da Grã-Bretanha. Acho que foi a primeira vez que me senti europeia.

Infelizmente, temo que esta Europa esteja a mudar. Constroem-se muros e cercas de arame farpado. Assobia-se para o lado e espera-se que passe.

A crise dos refugiados é uma questão humanitária. Acolhamo-los, pois, que vêm com filhos às costas, em botes de borracha e pé na estrada, a fugir de uma guerra, em busca de esperança. Ponto. Sem ses nem mas. Sem hesitações, nem subterfúgios.

Isto dito, temo que os próprios ideais que nos constroem civilizacionalmente - valores de humanismo, tolerância, civismo, solidariedade, a tríade liberdade, fraternidade, igualdade - venham a ser, paradoxalmente, os que abrem portas ao seu próprio fim.

Temo que o ideal Europeu rua. Que os meus filhos venham a não poder beneficiar de uma bolsa de estudo num estado membro ou a ir de mochila às costas conhecer o velho continente, como eu fui. Temo que este espaço se torne mais belicoso, menos seguro, menos idílico, isso sim.

Mesmo assim, preferirei deixar-lhes uma Europa em convulsão do que ter de explicar-lhes porque, como nação, fechamos os olhos a um flagelo humanitário.

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