"FAZ-ME UM FAVOR
Se ainda tens a tua mãe, faz-me um favor. Deixa o
que quer que estejas a fazer neste momento e vai ter com ela. Vai ter
com ela já. Se estás longe dela e é mesmo impossível ires ter com ela
já, mas só se for mesmo impossível, tipo, não há avião, então pega no
telefone e liga-lhe. Faz-me um favor. Liga-lhe. Liga-lhe já. E logo que
estejas com ela ou que ela te atenda o telefone, faz-me um favor,
diz-lhe sem rodeios que a amas. Que a amas muito. Agradece-lhe.
Passa-lhe a mão no rosto ou diz-lhe que não vês a hora de voltarem a
estar juntos para o poderes fazer. Faz-me um favor, fala-lhe do fato que
te fez para o carnaval de 85, diz-lhe que adoraste e nunca mais te
esqueceste dele. Diz-lhe que ninguém, ninguém faz leite creme como ela e
que não há em lado nenhum do mundo coisa que te saiba tão bem como a
sua sopa. Ela vai dizer-te "pois, mas em miúdo vi-me negra para que a
comesses". E tu responde-lhe "obrigado". Faz-me esse favor, diz-lhe
obrigado por te obrigar a comer sopa, pelas dores de parto (dói, sabes?,
ela toda a vida te disse que não sofreu nada para te ter, que foi um
parto santinho, mas sofreu, sabes? Sofre-se sempre para parir).
Agradece-lhe as noites em branco, os lanches na mochila, a roupa lavada,
o farnel para o passeio, as calças de marca. (Sabes que fez horas
extraordinárias para tas poder dar? E que deixou de almoçar algumas
vezes?) Faz-me um favor. Diz à tua mãe que a amas e que por mais pessoas
importantes que tragas para a tua vida, o vosso amor é especial, é de
outra lavra. Se estiveres com ela e não ao telefone, faz-me um favor.
Abraça-a. Esmaga-a mesmo. E enche-a de beijos babados e repenicados.
Dá-lhe a oportunidade de ser ela a limpar a cara desses beijos, como
tantas vezes fizeste na tua estúpida adolescência, quando ela te beijava
a ti ("Oh mãe, deixa-me!"). Ela não vai fazê-lo, mas de qualquer modo,
faz-me um favor, dá-lhe essa oportunidade. E já agora, pede-lhe
desculpa. Pede-lhe desculpa por teres limpado a cara depois dela te ter
beijado. E por teres sentido vergonha por ela estar a dançar no
casamento do primo Tó. Ela vai-te interromper, vai dizer que não se
lembra de nada disso, e não lembra mesmo, porque num coração de mãe não
cabem essas coisas. Mas mesmo assim, faz-me um favor, pede-lhe desculpa.
E puxa-a para dançar. E vai com ela ver montras. E paga-lhe um café.
Diz-lhe que te deste conta do nada que lhe deves a vida e por isso estás
ali para o que ela quiser, porque por mais que faças nunca vais poder
pagar isso. Já viste? A tua mãe deu-te a vida. Sim, tu, já estiveste
dentro dela. Essas grávidas joviais que vês passear na rua, a tua mãe já
foi uma delas e eras tu dentro da sua barriga! Faz-me um favor e
pergunta-lhe onde vai assim tão bonita. Diz-lhe que ainda ontem a
senhora do café te disse que não lhe dava a idade que tem. Faz-me esse
favor, fazes? Dando-te conta do abençoado que és, não porque a tua mãe
ainda vive, mas porque é a tua mãe! Essa mulher única e extraordinária
que te deu vida e que não dormiu três noites para te fazer o fato do
carnaval de 85. Antes que seja tarde. Faz-me esse favor, fazes? Faz isso
todos os dias."
Ana Luísa da Silva Pereira
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