Monday, May 16, 2016

Aula de Karaté-judo-whatever-dasse

      Quando eu era pequenita, o meu pai praticava judo. Falava-nos da disciplina, do rigor e do respeito pelo outro. Que não era apenas uma arte marcial, que envolvia muita técnica, muita prática, muito pouco bater e muito dominar o adversário pela sagacidade, o domínio que não meramente físico. Chamava-lhe responsabilidade.
      Não sei se o entendia muito bem, na altura, mas gostava de o ver de Kimono e achava particularmente piada à faixa, que mudava de cor mediante o grau. Quanto à palavra responsabilidade, não lhe dava muito valor. Desconfio que porque ele a usava connosco a toda a hora e em qualquer circunstância... Devo ter tido uma overdose disso, porque o meu pai gastou a palavra connosco. (LOL)
      Anos mais tarde, e como procurasse voltar a encaixar um pouco de actividade física no meu dia-a-dia povoado de fraldas, responsabilidades e bebés, fui a uma aula experimental de judo ou karaté, já não me lembro. Que me desculpem os entendidos pela ignorância atrevida, mas realmente não me recordo que raio de arte marcial seria. Sei que era mesmo ao lado de casa, que uma amiga me desafiou e que, como o horário era mais ou menos compatível com uma fuguinha às responsabilidades parentais, lá alinhei.
      Primeiro, o cómico desfasamento da minha indumentária. Eu de licras coloridas, no meio dos imaculados kimonos aprumados, bem apertados de cintos hierarquizados. Eu de meias com bonequinhos. Eles, descalços. É nessa altura que um gajo percebe que devia ter ido à pedicure, ter tratado o fungo no dedão grande ou, pelo menos, cortado as unhas dos pés, mas adiante.
      Depois um aquecimento potente, a lembrar um certo militarismo sob a égide de um mestre, que gritava ordens lancinantes para o meu corpito fraquelas, mal-dormido e fatigado de pós-partos. 
      A seguir, a aula. A minha amiga desferia golpes vigorosos, ao pontapé num saco de boxe. E eu a pensar que assim que fosse a minha vez acabaria por quebrar a tal unha fúngica. 
     De seguida, os contactos. Supostamente havia que nocautear o adversário, preferencialmente, com um único golpe. Digamos que a minha noção de contacto corporal não incluía golpes, nem superiores, nem inferiores. Definitivamente, não tinha nascido para aquilo. 
      Finalmente, um carregamento de abdominais, que eu tinha deixado adormecidos durante meses. Da última vez que me tinham gritado "força"... parira uma filha!
      Não obstante toda esta obstaculização interna, até me diverti no processo. A única razão pela qual não voltei foi por ter passado a semana seguinte quase sem conseguir locomover-me e, depois, ter perdido motivação e sucumbido às responsabilidades parentais. RESPONSABILIDADES! Arh!
      No final de contas, o que me ficou da dolorosa coça arte-marciana (parecia que estava em Marte!) foi uma lembrança que ainda hoje me faz rir: a fórmula de saudação ao mestre implicava um grito bem do baixo ventre que se assemelhava a um palavrão, não sei bem que raio seria ou o que significava, mas soar, soava  a "dasse!"- o que, pensando bem, era, de facto, o refrão adequado a tal aula!

1 comment:

  1. DASSE! :-D
    Eu também fiz Judo, como o teu pai (durante muito menos tempo, parece-me), e entendo bem o conteúdo das palavras que ele te disse.
    Mas não foi Judo o que tu fizeste - "pontapés" e "nocautes" não têm muito a ver. Já agora... "nocautes"?... De certeza?... Isso é um 'cadinho perigoso... Eu percebo a diferença entre "tentar" e "conseguir" mas mesmo assim...
    Bem, de qualquer das formas, "aquecimento potente", possivelmente alguma "unha fúngica partida" e "carregamento de abdominais" fazem definitivamente parte das minhas lembranças do Judo que fiz em criança. "Diversão no processo também."
    Talvez este velhote que tem possivelmente um dedo partido há meses (mas não tem paciência para passar seis horas num hospital; se calhar são só tendões; e também já está melhor ... ... ...) ainda vai fazer umas tristes figuras a tentar "voltar à arte marciana"... Se eu sobreviver, eu conto. ;-)

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