Lamento, mas a expressão "a ternura dos quarenta", não se aplica mesmo nada.
Chegada a esta fase, sinto-me ainda a menina rabugenta da fotografia em frente à creche, quando os pais vão embora para trabalhar. Resmungo. Implico. Sou exigente.
Uma vez o Pedro disse-me que é difícil ser meu filho. O Renato diz-me que sou exigente com quem amo. Pois sou, e depois? Para bem ou para mal, cada vez reclamo mais para mim o afecto de quem considero. Dos meus filhos. Do meu marido. Dos meus amigos. Não me basta pela metade. Quero inteiro, bonito, verdadeiro. Com a alma toda. Quero que me digam que me amam. Que faço a diferença. Que sou especial. Quero que me tratem com ternura e que fiquem felizes pela minha presença. Quanto mais reclamo, claro está, menos o consigo. Fui brindada logo de manhã com duas birras. Uma de cada um. Daí o desabafo.
Mas a menina da fotografia ainda sou eu em tantas coisas. Aquele olhar atento. Ainda sou a mesma pessoa curiosa. Ainda acho que há tanto a aprender e que este mundo é um lugar fascinante, repleto de momentos lindos e pessoas excepcionais! Mas ali, naquele brilho do olhar, há também uma mágoazinha, de quem percebe que as coisas não são perfeitas, que nem tudo bate certo, que o mal existe.
Acho que, hoje em dia, ainda aí estou. Nesse lugar de insatisfação, de querer um mundo melhor, de saber que, inevitavelmente, o sofrimento e a morte, a injustiça social e a guerra... existem! Daí que eu seja aquele carrossel de emoções - a da borga, a que ri e faz rir, mas que escreve textos lancinantes que deixam as amigas lamechas lavadas em lágrimas! Sou essa bomba de ironia e sarcasmo porque no fundo do meu ser há uma raiva contida, a par com uma resignação que me faz ser feliz aos bochechos - no instante seguinte, porque a vida é mesmo assim.
Um dia, o psicólogo que me ajudou a não dar conta de mim própria com metade da idade que tenho agora, disse-me que eu era perfeccionista. Discordei em pleno, respondendo que achava que nunca fazia as coisas tão bem quanto deveria. Ele limitou-se a dizer, "exactamente". Ainda hoje acho piada ao episódio. De maneiras que, quarenta anos volvidos, continuo a ser a minha voz mais crítica, comigo, com os outros e com o mundo.
A menina da fotografia ainda sou eu em tantas coisas. A gostar de (vestidos de) renda. A gostar de pão. Ou será maçã, o que seguro na mão pequenina? Qualquer dos dois, ainda os meus alimentos preferidos. E despenteada. Sempre. Como eu detesto pentear-me ou que me penteiem!
Naquela altura eu era, como ainda, uma menina atenta aos outros. "Quem não vive para servir, não serve para viver", disse Gandhi e eu encarno. Sou feliz na entrega. Vejo vidas que me passaram pelas mãos e recebem-me com um sorriso. Bom ser professora!
Para terminar com uma nota positiva... na rechonchudez penso ter evoluído. Apesar de, com muita pena facebokiana, eu não publicar fotografias minhas no ginásio ou em bikini (lol para a ideia de...), sinto-me mais forte do que alguma vez estive. Já não tenho o porte da bailarina que fui, mas também já não sou o osso escanzelado e anoréctico. Estou saudável, estou em forma - para a minha idade (lol com o "para a minha idade") - e, aos quarenta anos, faço coisas com o meu corpo que nunca tinha feito. Não, não estou a falar disso. Refiro-me a agachamentos (lol), flexões e treino de biceps. Para além disso, como pão todos os dias, bebo vinho tinto e sou feliz!
Quando me deito, estou de bem com a minha consciência. Tentei ouvir os outros durante o dia, comi uma refeição belíssima em família, contei histórias e adormeci os meus filhos. Deixei de ver televisão. Leio e escrevo. O que me realiza muito.
Dois dias antes de completar quarenta anos terminei um livro. Ao que dizem já posso morrer feliz.
No comments:
Post a Comment