Wednesday, May 25, 2016

Contestatários, e ainda bem!

     Contestatário Grande
      "Hoje fui o herói da turma, mãe!"
      "Porquê filho?"
       "Sabes, a professora queria marcar trabalhos de casa e nós explicámos que, apesar de ser feriado, era a nossa primeira comunhão e que era dia de festa e que não tínhamos tempo e que hoje eram ensaios na catedral, mas ela, mesmo assim insistia porque vamos ter testes para a semana e isso...toda a gente lhe estava a pedir que abrisse uma excepção e só desta vez, mas nada... então eu disse-lhe: professora, faça como entender, se quiser marcar, marque, mas eu NÃO os faço! Depois começaram todos a bater palmas e a apoiar-me...."
      "E o que decidiu a professora, filho?"
      "Disse que, então, os que tinham comunhão amanhã, faziam o TPC só no fim de semana, os que não tinham comunhão no feriado, faziam na mesma hoje... e eu não achei lá muito bem porque se havia dispensa era para todos"

      Contestatária Pequena
      Temos, na cozinha, um pequeno placard branco com os dias da semana, onde está escrito o nome dos miúdos, para que saibam, em cada dia, quem levanta a mesa, sem termos de estar a ouvir "eu fui ontem", "eu fui duas vezes seguidas", "hoje não, amanhã tu!". 
      A Maria não sabe ainda ler tudo, porém já decifra há muito tempo os nomes de toda a gente cá em casa e reconhece também os dias da semana, por forma que a estratégia funciona! 
      Hoje, no entanto, no fim de jantar, como dissesse MARIA no espaço da quarta-feira, pôs-se em cima da cadeira, sorrateiramente, em silêncio e de sorriso nos lábios e pôs-se a escrevinhar, enquanto nós estávamos distraídos à conversa. Depois, voltou a sentar-se e, com cara de caso, disse:
       "Mãããe, já viste que já encontrei o marcador deste quadro?"
       A meio de uma conversa, despachei-a "Foi? Boa Maria, ainda bem!"
     E ela, porque nós não estávamos a perceber ou a VER, voltou à carga: "E agora já posso ESCREVER com o marcador ali, não é, mãe?"
      Foi aí que eu reparei e deu risota total. Safada! Tinha escrito PEDRO por cima de todas as MARIAS, ganhando com a emenda a total imunidade laboral!

Monday, May 23, 2016

Escola Pública - guerra púnica e (im)púdica

      Eu estou um bocadinho farta deste não assunto sobre a escola pública e desta não discussão sobre o financiamento do Estado aos privados.
      Primeiro, criou-se aqui uma GUERRA PÚNICA em que não ganham romanos, nem cartagineses. Todos perdem. Alvoroçam-se encarregados de educação em manifs instrumentalizadas e gritos de liberdade extemporâneos e desajustados. Argumentos facciosos que ferem o conceito de direito e liberdade. Liberdade de escolha, cada um tem a sua - arcando com os encargos inerentes ao livre arbítrio. Ninguém me impede de escolher um Mercedes, mas não posso exigir que me paguem a manutenção. Mas, adiante, não quero entrar na discussão técnica da coisa. 
      Alvitram os professores que se proclamam prestadores de serviço público, mas nunca em cascos de rolha, onde o estado precisa deles, em Freixo-de-Espada-a-Cinta ou Avintes ou Cinfães do Douro ou Castro Marim ou Almeida ou Sabugal, são prestadores de serviço público nos colégios à porta de casa, onde fazem falta, pois claro os vizinhos também são alunos! Quer dizer que se eu montar um spa de luxo para irrigar as celulites das madames também devo ser financiada, pois claro, está aberto ao público, logo, é serviço público...
    Dizer apenas que: afogueiam-se os pais, assoberbam-se professores e, pior do que tudo, desestabilizam-se alunos em vésperas de avaliações, finais e de exame. Tudo exaltado! Cessem as hostilidades. Não?
      Segundo, a mim parece-me óbvio que as parcerias são IMPÚDICO-PRIVADAS. Pois é falta de vergonha querer exigir que o Estado me financie o meu negócio. Assim é fácil ser empreendedor. Se, ainda por cima, pagar mal aos funcionários, lhes exigir horas extra e os incumbir de funções que não são propriamente as suas, se preferir contratar funcionários acabados de sair da faculdade para melhor os poder explorar, se fizer contratos após contratos sem nunca vincular ninguém e mais uma centena de eteceteras que não vale a pena explorar... ouro sobre azul. O colégio é meu, eu é que sei.
      Terceiro, isto dito parece-me que a discussão está a bater no fundo, a esgotar os limites da razoabilidade.Eu já estudei num colégio privado e em escolas públicas, frequentei a universidade pública, trabalhei em escolas básicas e secundárias, públicas e privadas. Reconheço virtualidades e defeitos em todas. Penso que a decisão é, realmente, pessoal e de cada um. Cada um assume as suas escolhas. E paga-as.
    Quarto, havendo tantas agendas mais importantes a tratar em educação, perdemos tempo com... isto? Discutam os currículos, acertem de uma vez as avaliações externas -pisca-pisca, agora faz exame, agora já não faz, discutam organizações curriculares abusivas, cargas lectivas exacerbadas, métodos de ensino ultrapassados, falta de recursos humanos (dos auxiliares educativos aos psicólogos, já para não pedir terapeutas da fala e técnicos especializados em variadíssimas áreas lacunares); discutam a formação inicial e contínua dos professores; os critérios de avaliação dos alunos; o próprio mobiliário da sala de aula e a concepção das bibliotecas... enfim, podia estar aqui a noite toda.
      Se quiserem MESMO, discutir financiamento... terei de puxar a brasa à minha sardinha e falar de congelamentos, progressão, escalões and so on and so on. Melhor não, né?
     Enfim, bem avisei que estava um bocadinho farta desta treta toda. Eu já não sei se a escola é pública, púnica ou púdica ... Calem-se e deixem-nos trabalhar!

Sunday, May 22, 2016

BIBÓ BRAGA!

      "GUAAAAAALOOOOOO!"
      Juro que li nos lábios de uma adepto bracarense, porque é assim que se pronuncia na minha terra. De qualquer forma, se fosse tripeiro também não o diria muito diferentemente.
Faz-me lembrar uma aluna, certa vez que escreveu "Vai-e-vem" e me perguntou se estava certo. Eu, algo incrédula, qual seria a dúvida- o hífen, o acento - a hesitar, que sim, que estava bem e ela:"é que eu não sabia se se escrevia com este B ou com o outro!"

      Eu gosto de ser minhota, gosto destes falares, da pronúncia, dos dizeres, da alegria e da genuinidade das gentes. Das excursões e dos farnéis. Assentam arraiais, comem, bebem, penduram garrafas vazias nas tendas improvisadas, quais troféus de desporto olímpico ou caça grossa, cantam, falam alto e esbracejam, trazem o coração na boca e a febre que não é só da bola, mas do conBíbio, da tainada, da gargalhada, da sueca ou da soneca no autocarro.
      O adepto do nuarte, além de ser tuga,  é feliz  e desabrido. Diz o que pensa, sem papas na língua, troca os bês pelos bês, abre muito as vogais e chama "begueiro" ao árbito, ou "murcounhe", ou filho de quem já sabemos, mas esse não é regional, é um miminho aplicado universalmente pela nação inteira.  Agora, é preciso ser bracarense para lhe chamar "trengo", "bazaroco", "artolas","azeiteiro","calaceiro" "broeiro"  e é porque em campo não jogam mulheres, porque se não eram "sostras!" ou "totas" ou, se os ânimos estivessem mesmo exaltados "bacazola".

      O adepto minhoto convida sempre um amigo para ir à bola- "anda conós"! Chegado ao estádio, enquanto o jogo não começa, conta qualquer coisa que lhe aconteceu  "aqui há atrasado", olha para o céu cinzento e arrepende-se de não ter trazido "chuço" que ficou nos "forrinhos". Ou arrepende-se de ter vindo só de "camurcina" porque está "briol" ou "briasca".
       Assim que se ouve o apito inicial, põe o filho "às carrachuchas", vai comentando as "bacoradas" , anima os colegas de bancada "esperai-de que habemos de gAnhAr", manda o árbitro abaixo de Braga as vezes que tiver de mandar e vai espirrando caraAgos a cada remate.
      Se perder, claro, o adversário "só ganhou porque teve mijo".
      Hoje, não. O Braga ganhou a taça, aparentemente cinquenta anos depois. Fiquei contente.  Sou bracarense, não costumo deixar a porta aberta, mas vejo "beijo" Braga por um canudo porque moro longe. Talvez por isso  me alegrasse a Bitória. Nada de clubística, afeição regional. Bibó Braga!


(Quem precisar de tradução ou esclarecimentos pode consultar: 
https://sites.google.com/site/falarbragues/home)


Monday, May 16, 2016

Aula de Karaté-judo-whatever-dasse

      Quando eu era pequenita, o meu pai praticava judo. Falava-nos da disciplina, do rigor e do respeito pelo outro. Que não era apenas uma arte marcial, que envolvia muita técnica, muita prática, muito pouco bater e muito dominar o adversário pela sagacidade, o domínio que não meramente físico. Chamava-lhe responsabilidade.
      Não sei se o entendia muito bem, na altura, mas gostava de o ver de Kimono e achava particularmente piada à faixa, que mudava de cor mediante o grau. Quanto à palavra responsabilidade, não lhe dava muito valor. Desconfio que porque ele a usava connosco a toda a hora e em qualquer circunstância... Devo ter tido uma overdose disso, porque o meu pai gastou a palavra connosco. (LOL)
      Anos mais tarde, e como procurasse voltar a encaixar um pouco de actividade física no meu dia-a-dia povoado de fraldas, responsabilidades e bebés, fui a uma aula experimental de judo ou karaté, já não me lembro. Que me desculpem os entendidos pela ignorância atrevida, mas realmente não me recordo que raio de arte marcial seria. Sei que era mesmo ao lado de casa, que uma amiga me desafiou e que, como o horário era mais ou menos compatível com uma fuguinha às responsabilidades parentais, lá alinhei.
      Primeiro, o cómico desfasamento da minha indumentária. Eu de licras coloridas, no meio dos imaculados kimonos aprumados, bem apertados de cintos hierarquizados. Eu de meias com bonequinhos. Eles, descalços. É nessa altura que um gajo percebe que devia ter ido à pedicure, ter tratado o fungo no dedão grande ou, pelo menos, cortado as unhas dos pés, mas adiante.
      Depois um aquecimento potente, a lembrar um certo militarismo sob a égide de um mestre, que gritava ordens lancinantes para o meu corpito fraquelas, mal-dormido e fatigado de pós-partos. 
      A seguir, a aula. A minha amiga desferia golpes vigorosos, ao pontapé num saco de boxe. E eu a pensar que assim que fosse a minha vez acabaria por quebrar a tal unha fúngica. 
     De seguida, os contactos. Supostamente havia que nocautear o adversário, preferencialmente, com um único golpe. Digamos que a minha noção de contacto corporal não incluía golpes, nem superiores, nem inferiores. Definitivamente, não tinha nascido para aquilo. 
      Finalmente, um carregamento de abdominais, que eu tinha deixado adormecidos durante meses. Da última vez que me tinham gritado "força"... parira uma filha!
      Não obstante toda esta obstaculização interna, até me diverti no processo. A única razão pela qual não voltei foi por ter passado a semana seguinte quase sem conseguir locomover-me e, depois, ter perdido motivação e sucumbido às responsabilidades parentais. RESPONSABILIDADES! Arh!
      No final de contas, o que me ficou da dolorosa coça arte-marciana (parecia que estava em Marte!) foi uma lembrança que ainda hoje me faz rir: a fórmula de saudação ao mestre implicava um grito bem do baixo ventre que se assemelhava a um palavrão, não sei bem que raio seria ou o que significava, mas soar, soava  a "dasse!"- o que, pensando bem, era, de facto, o refrão adequado a tal aula!

Sunday, May 15, 2016

Cada um no seu relvado!

     Quando chegámos a Bragança, hoje, pela tardinha, a cidade estava ao rubro. Ao contrário do costume. Os meus conterrâneos não devem saber, mas a capital de distrito do nordeste transmontano, ao fim de semana, desertifica totalmente. Porque os estudantes vão "a casa" e os naturais de cá têm todos raízes nas aldeias circundantes e, então, é aí que passam os tempos livres, em tainadas de alheiras, chouriço e pão regional, com família e amigos. De modo que, nós, os "estrangeirados" temos assim a noção de que habitamos uma cidade fantasma, onde, por vezes nem há onde tomar um café. 
        Porém, não hoje. Com a euforia da bola e sendo a maioria dos brigantinos lampeões, a cidade fervilhava a preparar os festejos. Cafés à pinha, ecrãs escarlates, cachecóis a preceito, brigadas na Rua Sá Carneiro, à espera da hora de fechá-la ao trânsito para as ditas celebrações. 
      Na Catedral, no entanto, celebrações diferentes. Dirijo-me à basílica para assistir ao Crisma de alguns meninos da Casa e de algumas meninas do Lar. Ao encaminhar-me para a porta principal, pela lateral, dou de caras, inadvertidamente, com um velho a urinar contra a parede do edifício. Que adequado, penso. Dá-me vontade de rir. Desvio-me uns metros para não o embaraçar. (como se!)
      Entro, enfim, na igreja. A cerimónia já teve início e o ambiente é de respeito. Logo me envolvo e concentro. Com a idade devo  estar a tornar-me sentimentalóide, porque me comove ver aqueles jovens todos, a passar uma luz, de vela em vela. De repente, isso traz-me assim um misto de orgulho nesta etapa deles e uma esperança no futuro. Penso: "estão tão grandes!". E também: "o futuro é deles, talvez venham a tornar este mundo melhor!". Enfim, deve mesmo ser da idade.
     Depois há um miúdo, mano mais novo, que faz questão de acompanhar o crismado ao altar. Comove-me outra vez o facto. Mas só para no instante seguinte dar com o olhar num marido do banco ao lado, que tenta, o mais discretamente possível, ir assistindo ao seu Benfica, no ecrã do telemóvel, semi escondido, nos folhos do vestido da sua senhora. A vontade de rir dissipa-me a potencial eventual lágrima de comoção da visão fraterna. (Não tenho as emoções reguladas, sou pessoana e múltipla em cada momento, mas psicanálise à parte!)
    O Sr bispo bem tenta pregar, mas o ruído do exterior cresce.  Momento da consagração da hóstia. O silêncio e a introspecção possíveis, ao som das buzinadelas, apupos e vivas lá de fora. O Benfica sagrou-se campeão. Concorrência desleal. Parece-me que hoje há empate: equipamentos 1- batinas1.  
      A mim, a quem o árbitro nunca conquistou,e apesar das apitadelas externas, soube-me bem a pausa, o recolhimento, receber e ser recebida. Saio da igreja em paz. Trago também alegria no coração, apesar de não ter celebrado nenhum golo. São campeonatos diferentes!

Sunday, May 8, 2016

Sweet Child O' Mine

Sei quem és.
Costumas ficar lá ao fundo, no cantinho mais distante do quadro, ao fundo da sala de aula, a usar as canetas como baquetas da tua constante percussão interior. 
Entendo-te. A música é a tua paixão. 
Bem te vi, delirante no concerto dos AC/DC. Com aquele brilho nos olhos. 
Não te posso mentir. Não estão nas minhas preferências, mas cantei muito Axel na adolescência, por isso, vá, cá nos encontramos melodicamente, algures. 
Entendo-te. Não posso viver sem música.
Tens uma banda, tens sonhos, tens esse brilho nos olhos que me agrada. 
Ou não.
Se denunciar consumos. Penso nisso, sabes. Muitas vezes. 
Que não te percas. 
Pareço a tua mãe a falar, não é?
Vê se me entendes, desejo que vás muito longe, que sejas grande, que concretizes os teus sonhos, que a tua música te continue a iluminar o olhar.
Mas.
Que não seja preciso mais nada para te inebriar.

Monday, May 2, 2016

40 anos de menina!

   Lamento, mas a expressão "a ternura dos quarenta", não se aplica mesmo nada.
   Chegada a esta fase, sinto-me ainda a menina rabugenta da fotografia em frente à creche, quando os pais vão embora para trabalhar. Resmungo. Implico. Sou exigente. 
   Uma vez o Pedro disse-me que é difícil ser meu filho. O Renato diz-me que sou exigente com quem amo. Pois sou, e depois? Para bem ou para mal, cada vez reclamo mais para mim o afecto de quem considero. Dos meus filhos. Do meu marido. Dos meus amigos. Não me basta pela metade. Quero inteiro, bonito, verdadeiro. Com a alma toda. Quero que me digam que me amam. Que faço a diferença. Que sou especial. Quero que me tratem com ternura e que fiquem felizes pela minha presença. Quanto mais reclamo, claro está, menos o consigo. Fui brindada logo de manhã com duas birras. Uma de cada um. Daí o desabafo. 
Mas a menina da fotografia ainda sou eu em tantas coisas. Aquele olhar atento. Ainda sou a mesma pessoa curiosa. Ainda acho que há tanto a aprender e que este mundo é um lugar fascinante, repleto de momentos lindos e pessoas excepcionais! Mas ali, naquele brilho do olhar, há também uma mágoazinha, de quem percebe que as coisas não são perfeitas, que nem tudo bate certo, que o mal existe. 
   Acho que, hoje em dia, ainda aí estou. Nesse lugar de insatisfação, de querer um mundo melhor, de saber que, inevitavelmente, o sofrimento e a morte, a injustiça social e a guerra... existem! Daí que eu seja aquele carrossel de emoções - a da borga, a que ri e faz rir, mas que escreve textos lancinantes que deixam as amigas lamechas lavadas em lágrimas! Sou essa bomba de ironia e sarcasmo porque no fundo do meu ser há uma raiva contida, a par com uma resignação que me faz ser feliz aos bochechos - no instante seguinte, porque a vida é mesmo assim. 
   Um dia, o psicólogo que me ajudou a não dar conta de mim própria com metade da idade que tenho agora, disse-me que eu era perfeccionista. Discordei em pleno, respondendo que achava que nunca fazia as coisas tão bem quanto deveria. Ele limitou-se a dizer, "exactamente". Ainda hoje acho piada ao episódio. De maneiras que, quarenta anos volvidos, continuo a ser a minha voz mais crítica, comigo, com os outros e com o mundo. 
   A menina da fotografia ainda sou eu em tantas coisas. A gostar de (vestidos de) renda. A gostar de pão. Ou será maçã, o que seguro na mão pequenina? Qualquer dos dois, ainda os meus alimentos preferidos. E despenteada. Sempre. Como eu detesto pentear-me ou que me penteiem!
   Naquela altura eu era, como ainda, uma menina atenta aos outros. "Quem não vive para servir, não serve para viver", disse Gandhi e eu encarno. Sou feliz na entrega. Vejo vidas que me passaram pelas mãos e recebem-me com um sorriso. Bom ser professora!
   Para terminar com uma nota positiva... na rechonchudez penso ter evoluído. Apesar de, com muita pena facebokiana, eu não publicar fotografias minhas no ginásio ou em bikini (lol para a ideia de...), sinto-me mais forte do que alguma vez estive. Já não tenho o porte da bailarina que fui, mas também já não sou o osso escanzelado e anoréctico. Estou saudável, estou em forma - para a minha idade (lol com o "para a minha idade") - e, aos quarenta anos, faço coisas com o meu corpo que nunca tinha feito. Não, não estou a falar disso. Refiro-me a agachamentos (lol), flexões e treino de biceps. Para além disso, como pão todos os dias, bebo vinho tinto e sou feliz!
   Quando me deito, estou de bem com a minha consciência. Tentei ouvir os outros durante o dia, comi uma refeição belíssima  em família, contei histórias e adormeci os meus filhos. Deixei de ver televisão. Leio e escrevo. O que me realiza muito. 
   Dois dias antes de completar quarenta anos terminei um livro. Ao que dizem já posso morrer feliz.


Sunday, May 1, 2016

Dia da mãe - Pela Maria




Dia da mãe - pelo Pedro







Dia da mãe - por mim

      Se a tua mãe ainda existe neste mundo... FAZ-ME UM FAVOR, também a mim:
     AMA-A condignamente, sim, verbalizando sem escrúpulos, sem vergonha, sem meias palavras. Ama-a e DIZ-LHE que a amas no imediato. Hoje já é tarde. Diz-lho ontem. 
     E não digas: berra, grita, grava-o na pedra, na pele do seu rosto, com beijos ardentes que queimem até doer e não desapareçam jamais.
      E diz-lhe que ela é os superlativos todos:
      que é a melhor,
      que é a maior,
      que tem a pele mais macia do mundo, 
      que os os olhos são os mais expressivos onde já alguma vez te afundaste 
      que a voz cala os monstros todos
      e que o seu colo é o mais morno à face da terra!
     
     
 Se a tua mãe já não existe neste mundo...
    
     Diz-lhe que lhe dás valor, agora que és mãe!
    Diz-lhe que não há praia sem ela, que o natal brilha menos, que os saldos te saem muito mais caros, que o chão é escorregadio e lamacento quando ela não está.
     Diz-lhe que ainda tens o número dela gravado no telemóvel e que gostavas de telefonar para o céu.



Dia da Mãe - pela minha mana

"FAZ-ME UM FAVOR
Se ainda tens a tua mãe, faz-me um favor. Deixa o que quer que estejas a fazer neste momento e vai ter com ela. Vai ter com ela já. Se estás longe dela e é mesmo impossível ires ter com ela já, mas só se for mesmo impossível, tipo, não há avião, então pega no telefone e liga-lhe. Faz-me um favor. Liga-lhe. Liga-lhe já. E logo que estejas com ela ou que ela te atenda o telefone, faz-me um favor, diz-lhe sem rodeios que a amas. Que a amas muito. Agradece-lhe. Passa-lhe a mão no rosto ou diz-lhe que não vês a hora de voltarem a estar juntos para o poderes fazer. Faz-me um favor, fala-lhe do fato que te fez para o carnaval de 85, diz-lhe que adoraste e nunca mais te esqueceste dele. Diz-lhe que ninguém, ninguém faz leite creme como ela e que não há em lado nenhum do mundo coisa que te saiba tão bem como a sua sopa. Ela vai dizer-te "pois, mas em miúdo vi-me negra para que a comesses". E tu responde-lhe "obrigado". Faz-me esse favor, diz-lhe obrigado por te obrigar a comer sopa, pelas dores de parto (dói, sabes?, ela toda a vida te disse que não sofreu nada para te ter, que foi um parto santinho, mas sofreu, sabes? Sofre-se sempre para parir). Agradece-lhe as noites em branco, os lanches na mochila, a roupa lavada, o farnel para o passeio, as calças de marca. (Sabes que fez horas extraordinárias para tas poder dar? E que deixou de almoçar algumas vezes?) Faz-me um favor. Diz à tua mãe que a amas e que por mais pessoas importantes que tragas para a tua vida, o vosso amor é especial, é de outra lavra. Se estiveres com ela e não ao telefone, faz-me um favor. Abraça-a. Esmaga-a mesmo. E enche-a de beijos babados e repenicados. Dá-lhe a oportunidade de ser ela a limpar a cara desses beijos, como tantas vezes fizeste na tua estúpida adolescência, quando ela te beijava a ti ("Oh mãe, deixa-me!"). Ela não vai fazê-lo, mas de qualquer modo, faz-me um favor, dá-lhe essa oportunidade. E já agora, pede-lhe desculpa. Pede-lhe desculpa por teres limpado a cara depois dela te ter beijado. E por teres sentido vergonha por ela estar a dançar no casamento do primo Tó. Ela vai-te interromper, vai dizer que não se lembra de nada disso, e não lembra mesmo, porque num coração de mãe não cabem essas coisas. Mas mesmo assim, faz-me um favor, pede-lhe desculpa. E puxa-a para dançar. E vai com ela ver montras. E paga-lhe um café. Diz-lhe que te deste conta do nada que lhe deves a vida e por isso estás ali para o que ela quiser, porque por mais que faças nunca vais poder pagar isso. Já viste? A tua mãe deu-te a vida. Sim, tu, já estiveste dentro dela. Essas grávidas joviais que vês passear na rua, a tua mãe já foi uma delas e eras tu dentro da sua barriga! Faz-me um favor e pergunta-lhe onde vai assim tão bonita. Diz-lhe que ainda ontem a senhora do café te disse que não lhe dava a idade que tem. Faz-me esse favor, fazes? Dando-te conta do abençoado que és, não porque a tua mãe ainda vive, mas porque é a tua mãe! Essa mulher única e extraordinária que te deu vida e que não dormiu três noites para te fazer o fato do carnaval de 85. Antes que seja tarde. Faz-me esse favor, fazes? Faz isso todos os dias."

Ana Luísa da Silva Pereira