Thursday, December 18, 2014

Pesadelos e acordar

Dizem que quando se perde alguém que se ama a gente acaba por tirar um sentido disso, um qualquer tipo de aprendizagem, uma lição de vida. Eu ainda não consegui sair daquele lugar de raiva, frustração e impotência, daquela cama de hospital, daquele corpo esmorecido, inerte e entubado, gelado e a transpirar, daquele branco todo, aquele branco asséptico e  mortal, onde volto todas as noites como se sentisse saudade ou vontade de ficar. Ao despertar não chega a fazer mais sentido. Sempre esta resignação. Acontece. Este sentido de fatalidade. Faz parte. Nada que me impele a que,de alguma forma, algum dia, faça sentido. A ausência de um deus que me abraçasse, me acolhesse.

Sempre estas e outras noites atormentadas. Aquelas ali  aos gritos com pessoas que não confronto acordada, a viver durante o sono aquilo que reprimo de dia, a gritar muito com quem me magoa, a dizer o que penso, sem resolver nada, para acordar com o  desconsolo de não ter ainda dito nada, não ter afinal gritado com quem merecia ouvir. Ser só eu o eco inconsolável dessa fúria. Ser só eu a despender a energia. e sempre tão intenso. ... (suspiro). Como dormir em paz? Será que os fármacos ajudavam? 

Sunday, November 23, 2014

NOTA DE RODAPÉ PARA QUEM MERECE ESTAR NO CABEÇALHO

(Post de 07/12/2012)

Cresci numa casa em que o lema era “ não fazes mais do que a tua obrigação!”. Isso era válido para todas as minhas pequenas grandes conquistas: arrumar o meu quarto, tratar do bilhete de identidade sozinha, tirar nível cinco a todas as disciplinas ou ensinar inglês à minha irmã mais nova (já tinha de ser inglês, pois claro). Nada disso me amargura, particularmente, após tantos anos, até porque isso fez de mim uma pessoa independente e autónoma. No entanto, acho que por isso reconheço hoje em dia a
necessidade de valorizar o esforço dos outros e de elogiar o que é extraordinário. E é isso, meus queridos alunos, que me traz aqui hoje.
Sinto que devo publicamente louvar-vos pela paciência, tolerância e maturidade com que tendes vivido este período letivo. Um elogio mais do que merecido para quem, na idade de todas as turbulências interiores e desafios, viveu um dia a dia de desassossego, numa escola em escombros, cheia de poeira e barulho, por vezes sem janelas e sempre com muito frio, mas também com a vossa força, tanta força, para prosseguir, em busca de uma concentração difícil e de resultados gratificantes. Muito bem. Nunca, nenhum de vós se furtou ao trabalho, apesar de tudo e, a mim, isso parece-me extraordinário. Da minha parte, queridos alunos, muito obrigada pelo vosso exemplo de determinação e coragem. Fizeram, sim, muito mais do que a vossa obrigação.
A professora
Marta Pereira

Tuesday, November 11, 2014

Como tu

Vou ao ginásio com um isqueiro no bolso. Sou um poço de incongruências.
Ocorre-me que sou como tu, que me faltas há três anos, como eu te terei faltado milhares de vezes. 

Adoravas pregar partidas, mas querias ser levada a sério. Gostavas de coisas caras, mas qualquer trapinho te ficava bem. Eras da galhofa, da borga, do gozo, mas quando metias mãos ao trabalho eras um furacão. Revejo-me nisso tudo. Nessa força, essa energia vital, essa alegria. "Quando a Luísa está por perto não há tristezas!", diziam-me tantas vezes. Também sou isso. Sabe Deus. Tenho uma vida de cão, e pouco quem me pergunte por ela. Nem sempre é fácil, mas empurro a rir e a fazer rir. Como tu.
      Estendo roupa, toneladas dela, e penso sempre em ti. Sou tu. As miúdas pequeninas, muita roupa para lavar e passar. Com uma diferença - tu tinhas um marido que não fazia nada, não sei como conseguias. Mas sou tu, no mesmo bulício, no "levar tudo à minha frente", embora, às vezes, como dizias, "dou-lhe uma e prometo-lhe duas" ou "amanhã há mais". Levei anos para entender esta frase. Dei por mim a inteirá-la, no outro dia, depois de um longo dia de trabalho na escola, e atender os miúdos,  e cumprir com as tarefas domésticas básicas e essenciais, e preparar o dia seguinte e olhando em volta para tudo o que ficava por fazer... "amanhã há mais!". Cumpro também essa incongruência.

Sou tu. Quem te conhecia e me vê, comove-se, porque a semelhança física lhes perturba a serenidade. Não posso fugir à minha herança genética - tenho as tuas pernas, os teus joelhos, o teu olhar. Sou o teu fenótipo, a que se parece contigo. 

Ultimamente até me tenho convencido que teremos destinos semelhantes. Revejo-me na tua orfandade, a tua real, a minha simbólica, ambas penosas. Ficaste sozinha muito cedo, apaixonaste-te, abraçaste a família do teu marido como se fosse a tua. Dei por mim a imaginar o que sentias com as pessoas que para mim eram avós e tios, mas para ti eram sogros e cunhados. Nunca me falaste disso, sou eu que o imagino agora, do outro lado da vida, com experiência e idade para o supor. Seria sempre pacífico? Estarias sempre plena e completa? Sentirias solidão no meio das festas? Sou tu, mais uma vez, Tu não tinhas a tua mãe. Eu sei o que isso é, agora.

Como tu, acordo com os olhos inchados e os pés gelados.  Detesto pentear-me, como tu, mas num momento fico  para lá do apresentável, outra incongruência que não deslindei. Não é beleza, a gente brilha, acho que é a tal energia. Tua.

Como tu fervo para apertar cordões, encontrar a chave da casa ou o telemóvel na carteira. A mesma impaciência. O nervoso miudinho. Os suores.

Como tu, as fúrias, as intempéries, os impropérios. Num coração grande que se esquece logo e não guarda rancor.

Amo amendoins, laranjas, pão. Como tu, no sofá da sala, a descascá-los, a ver televisão e a contar as histórias da Niassa, a macaca que veio no barco do tio marinheiro. E os meus filhos a vidrar, como eu e a Ana, à tua volta. As laranjas que comeste na minha gravidez. O pão quente que me davas nos finais de tarde escuros escuros, parecia noite, a caminho de casa, pão quente e guarda-chuvas.

Como tu, a "figadeira". A "breca"... serão as maleitas aprendidas ou geneticamente herdadas? 

Trago a tua aliança. Sou tu. Como falo. Como penso. Como educo os meus filhos. Como trato os outros. Como respiro.Não é (só) saudade, nem memória... É consubstancialidade.

Sunday, September 21, 2014

Megaturmas

Começaram a entrar, aos pares, em grupo, uns atrás dos outros. Sempre gostei daqueles primeiros olhares auspiciosos ou desconfiados, aquele primeiro mirar mútuo que tenta adivinhar se vai correr bem o ano letivo todo. A leva tem sido cada vez maior. De ano para ano a entrada na sala de aula tem engordado e agora faz lembrar aquela primeira massa humana compacta na partida para a meia maratona de Lisboa. Só que desta feita não é para correr. É para sentar - e os problemas começam aí. Não há cadeiras suficientes, não há espaço para aqueles corpos desajustados das carteiras. Jovens de secundário, sentados sempre nas mesmas carteiras desde o segundo ciclo. Mesas ergonómicamente desadaptadas para pernas que levantam pesos no ginásio e saltos altos que elevam os joelhos contra os tampos. 
Não há cadeiras, não há espaço, não chega a haver oxigénio para respirarmos todos ao mesmo tempo, lá teremos de negociar isso também. Demora um certo tempo esta logística, o sentá-los, entalados uns nos outros, para gáudio de uns e desconforto de outros, mais reservados, mais cientes do seu espaço íntimo de segurança. Penso: primeiro obstáculo pessoal à aprendizagem. Estar fisicamente desconfortável, sentir a nossa intimidade invadida e arranjar aí zona de concentração, não obstante. Ponho-me no lugar deles e já sinto que partem em desvantagem. 
Depois lembro-me de mim. Do meu papel ali. Como vou ensinar uma língua estrangeira (ou seja o que for) a um grupo assim? Como vou respeitar as orientações programáticas - 30% para a oralidade? Se puser esta gente toda a falar ao mesmo tempo, digamos, a pares, a colega da sala ao lado desespera, ou, por outro lado, terá também uma urbe conversadora e nem dá por nada... E como vou avaliar essa expressão oral, mesmo que ouça individualmente cada um deles durante cinco minutos, passo uma semana nisso, e entretanto tenho os outros cem à deriva... ou (riam-se) autónoma e responsavelmente a trabalhar. E os testes escritos, que fazem (quase) ao colo uns dos outros? Não há versões que me valham! E as composições, a este nível, estamos a falar de textos complexos, argumentativos sobre questões complexas como alimentos geneticamente modificados, robótica ou questões ambientais... vou tirar uma sabática para lhes corrigir as composições!
Depois lembro-me do ensino individualizado, de como era bom saber-lhes os nomes, olhá-los nos olhos, ouvi-los, conhecê-los um pouco para lá da disciplina que ensino, como seres humanos, como pessoas complexas, com expectativas, sonhos, medos, desânimos e recomeços... não vai ser fácil. Sorrio. Dou-lhes as boas vindas e desejo-lhes boa sorte para o ano lectivo. Vamos precisar.

Tuesday, September 16, 2014

Professor Contratado

     Hoje o meu coração está com os colegas contratados. Na ansiedade. Na dúvida. No desespero. A agarrar em malas e arrancar para outra ponta do país. A deixar para trás filhos de fraldas e a enfrentar a distância com a garganta apertada. A perseguir a esperança vã de mais um ano que lhes permita algum dia entrar nos quadros. E os outros. Os que ainda não foram  notificados.  Calcorreando incessantes listas de colocação caóticas, arbitrárias e injustas. A tentar perceber uma lógica insondável e  obscura. Ano após ano. No jogo do gato e do rato. Colegas - vocês a tentarem os quatro anos consecutivos, o sistema a dar a volta para contratar outros, que não estejam em condições de o fazer... será acaso?

Sunday, September 14, 2014

Roupa estendida - a roupa certa

   Pêras que alguém colheu e generosamente trouxe à casa, incorporam um bolo que está no forno e adocica o ambiente. O verão despede-se, neste final de tarde ventoso. A brisa leva memórias de mergulhos, gelados e sol e traz ansiedades pré-lectivas, borboletas nos estômagos pequenos e grandes, melhor geridas nos pinchos dos mais novos  e mais azedas nos humores dos mais velhos. 
   Também cheira a pêssegos, biológicos, dos que têm superfícies irregulares, buracos de bichos e pisaduras aqui e além, mas que enchem a cozinha de aroma e a fruteira de assimetrias não tabeladas. 
   Setembro toma conta da casa, vem de lápis e cadernos a estrear, traz casacos com sandálias, t-shirts e guarda-chuvas. 
   O estendal está cheio. Sempre cheio, queixamo-nos disso; mas, de repente, os olhos param no estendal do vizinho. Tudo negro. A vida faz sentido deste lado da varanda, com um estendal cheio de roupa estendida - das cores certas.

Wednesday, August 20, 2014

Confesso (ou de como tudo na vida é uma questão de perspectiva)


 Confesso que gosto de me sentar na soleira de pedra da casa verde, a ler um livrinho e a apanhar banhos de sol. Confesso que gosto do Parque Urbano da Rabada. De lá ir treinar, no meio do arvoredo, ao som  dos pássaros a chilrear, das águas do rio e do comboio que atravessa, de quando em quando, mais lá ao fundo. Confesso que gosto de fazer a marmita e ir lá lanchar, que gosto da alegria dos meus filhos, com as primas, naquele parque infantil, a estrear. Pontapés na bola, corridas, escorregas e baloiços.
Confesso que gosto que o Pedro goste de ler o jornal desportivo do tio. Com o tio. Que comente as transferências com os homens, que queira ir para o campo com o avô, que suborne a avó para lhe dar bolachas às minhas escondidas e que acorde desejoso de ir para o quintal. Confesso que me enche o coração que a Maria chame as primas pelo muro,  trepe ao sofá da avó para ir buscar biscoitos, que dê de comer às galinhas cem vezes ao dia e que regue as plantas, as paredes, o mano e a si própria, de mangueira, até ao total encharcanço. Confesso que sou feliz aqui, nesta casa, que viu crescer as minhas sobrinhas, a sua mãe antes delas, o meu marido antes dela, a sua mãe e os seus avós antes dele. Nesta casa de soalho de madeira, portadas de madeira, tectos de madeira, chaminé e traves de granito. Confesso que isso me agrada, para lá da fobia às centopeias, do incómodo das melgas ou do trepidar dos camiões na estrada nacional. Confesso que encontrei o meu espaço também aqui. e que se me dissessem, há catorze anos que assim seria, ter-me-ia custado acreditar. A perspectiva era outra.

Monday, August 11, 2014

Doces dias de Agosto

      Mesmo que este Agosto não seja o mais quente de sempre, mesmo que a temperatura da água do mar só me permita ir a banhos no chuveiro, mesmo que o vento nos afaste da esplanada ao fim do dia, as mãos pequeninas constroem castelos na areia e os seus corações grandes andam tórridos de emoções, pulos, mergulhos e aventuras!
      Temos uma figueira no quintal, por cima da churrasqueira onde grelhamos peixe e em frente a uma mesa onde comemos melancia e melão frescos, acompanhados de um gato preto, que pertence à casa e nos faz companhia na hora das refeições. O gato é uma emoção para os miúdos; o chuveiro no exterior, ao vir da praia, pelas duas da tarde, também é uma emoção para os miúdos. Para os adultos as emoções são outras. É chegar à casa, alugada pela internet, a torcer para que ela EXISTA, e que seja a mesma das fotografias e não uma fraude de um qualquer galinheiro com vista para alfarrobeiras podres. E verificar que o único defeito é estar carregada de santinhos e quadros de gosto questionável (não, não temos o menino da lágrima, mas temos os anjinhos papudos da Capela Sistina!). A senhora a mostrar a casa, tudo "full equiped", como dizia no anúncio, e eu, sem a ouvir, a pensar que aquele mega crucifixo à cabeceira da cama do casal havia de ter  pouco sossego com o casal jovem que, desta vez, aqui vai pernoitar!
      O areal é imenso para caminhar e pôr as ideias em dia, rodeados da família que nos faz falta durante o resto do ano, a folhear jornais, livros e revistas que não temos oportunidade de ler, a enfiar os pés na areia e a saborear aqueles grãos, a textura, fininha, fininha, macia e reconfortante. Os miúdos enchem-se de gelados e bolinhas de berlim, felizes com a injecção de açúcar. Eu gosto que estejam felizes, mas não gosto do açúcar. Relevo. Faz parte. São doces dias de Agosto.

Sunday, July 27, 2014

Ser mãe de um rapaz!

Vais ser Mãe.

Isso quer dizer que serás sempre mais mãe do que outra coisa qualquer. Primeiro mãe do que filha, mulher, esposa, irmã ou amiga. É um lugar comum dizer-te que isso mudará para sempre a tua vida. Vai mudar o teu ser, a tua essência, o teu caminho, de maneiras insondáveis e irreversíveis. Quererás ser melhor pessoa todos os dias. De certa forma, a maternidade é a experiência mais exigente de todas, porque é a que queremos exercer com maior perfeição. Vais ser uma boa mãe. A melhor que o teu filho podia ter.
Terás de responder a perguntas difíceis, tão mais difíceis quanto mais entram no fundo das tuas questões existenciais como os porquês e os para quês, da morte, da vida e do sofrimento, isto enquanto lhe preparas uma sande de fiambre ou descascas feijão verde para a sopa. Terás de "mããããeeee, anda-me limpar" a meio da refeição; dormir com uma mão pendurada num berço e um olho meio aberto para ver se respira - tantas, tantas vezes, a ver se ainda respira - e, mais tarde, serás capaz de despertar de um sono profundo e ouvir uma tosse sua dois quartos, três paredes e três portas distantes de ti. Vais preocupar-te porque come ou porque não come; porque tem  (ou pode ter)  frio ou calor ou medo do escuro ou da escola ou da água do banho ou do mar ou porque enjoa no carro ou porque quer andar de mota ou porque caiu da bicicleta ou porque tem cólicas pela noite dentro ou porque não quer ir à catequese ou por nada, porque sim.
E, no entanto, serás capaz de viver neste turbilhão de emoções, de te adaptares, de cresceres com isso, de te desviar dos brinquedos, em vez de os arrumares, de deixar o gelado de chocolate escorrer para a T-shirt ou aquela defesa de carrinho impregnar de relva o fato de treino, sabendo que aqueles momentos de felicidade do teu filho te vão sair caros em tempo, paciência e detergente...
Descobrirás que as unhas compridas não são apenas um acessório de moda, mas a melhor arma no combate às nódoas de relva nos calções. Um dia ainda hás-de desejar que volte a esses calções, quando passar à fase de passear a puberdade em cuecas pela sala. Com um corpo que lhe cresceu sem ele nem tu darem por isso.
Que o pior até nem são as manchas da roupa, nem os joelhos negros de brincar na terra e a falta de vontade de cuidar disso. Difícil é conseguir que cresça como um ser humano equilibrado, que seja e venha a ser feliz e a fazer felizes os outros. Hás-de olhá-lo, no berço, e desejar que nada de mal lhe aconteça, obviamente, mas também que aquelas mãos pequeninas nunca cometam crimes, que use aqueles lábios bem desenhados mais para beijar e pronunciar o bem do que para difamar ou magoar. Hás-de viver para essa causa, para ser o melhor exemplo possível, a melhor versão da ti própria, e conseguir educá-lo nesse paradoxo grande que é a vida, pois queres que seja competitivo, sem ser agressivo; que seja comunicativo sem ser aborrecido; que seja sincero, sem ser inconveniente; que seja lutador, sem prejudicar ninguém; que seja educado, sem perder a espontaneidade; que tenha sentido de humor, sem ser bombo da festa; que tenha bom coração e bom senso; que seja inteligente, sem perder a criatividade; que seja opinativo, mas saiba escutar; que seja solidário, sem se esquecer de si; que brilhe, sem ser vaidoso; que goste de si próprio, sem ser egocêntrico; que seja generoso, sem ser esbanjador; e,e,e, e... poupado, sem ser forreta; que saiba ser sonhador, mas com os pés no chão; que goste de partilhar, mas dê valor ao que é seu.... enfim, a lista é tão infindável e paradoxal como a própria tarefa e a maior ironia e contra-senso é que serás feliz ao tentá-lo, por gigantesco que pareça, não só não te demitirás, como farás questão de fazê-lo. Fá-lo-ás sempre bem. Essa é a chave.

E vais ser mãe de um menino. 
E isso é maravilhoso.

Terás de lidar com a testosterona, as birras, a impulsividade, a energia, as fúrias e os odores corporais de adolescente e isso vai trazer toda uma nova dimensão à tua vida. Às tropelias pela casa, aos pinotes e aos encontrões já tu estás habituada pela vivência continuada com os furacões da tua vida: primeiro a Saga, depois a Lis e, agora, a Lita. (ufff és mesmo resistente!). Mas agora terás de aprender nomes estranhos como Beyblades, Invizimals ou Pous. Aparentemente o primeiro é uma espécie de pião da contemporaneidade, o segundo são cromos e o terceiro um bonequinho. No entanto, não é tão simples assim: é tudo meio electrónico-tecnologico-virtual e, ou abraças com agrado a modernidade das coisas, ou ficas, como eu, quase sempre de fora das brincadeiras. Porque os cromos têm aplicações electrónicas, o Pou tem de ser alimentado virtualmente e os Beyblades fazem umas luzes psicadélicas, que, para mim, são sofisticação bastante.

Terás conversas interrompidas, riscos nas paredes, sapatilhas mal-cheirosas espalhadas pela sala, salpicos de xi-xi na tampa da sanita (e arredores), pasta de dentes no espelho e, pelo menos uma bola no hall de entrada. Mais tarde, eventualmente, melhora. É creme de barbear no espelho e um capacete no hall de entrada. As sapatilhas mal-cheirosas, essas, hão-de perdurar a vida toda. Bem como os beijos e abraços à mãe. Violentos, aos empurrões, a força do amor nutrido de testosterona. Não são bem beijos - são cabeçadas ou turras com lábios, não é por mal, é uma força que não se mede, a dos músculos e a do coração de rapaz, menino da sua mãe.




Monday, July 14, 2014

Tomé (ou não)

Hoje dei ao Pedro a feliz notícia de que ia ter um primo com quem jogar futebol. 
"Já sabia!"
"Não, Pedro, não estás a entender: só sabias que a Ana estava grávida e ia ter um bébé, que podia ser menino ou menina; o bébé que está na barriga da Ana é um menino, já sabem!"
"Como é que sabem? Já saiu?"
"Não - a Ana viu na ecografia; é uma fotografia dentro da barriga! Vai ser um menino e vai-se chamar Tomé"
"Oh nós é que íamos escolher!"
"Pronto, este era um nome que eles gostavam, mas, se calhar, se deres uma alternativa pode ser que escolham outro..."

(...)


"Leonel Messi!"

Saturday, July 12, 2014

De futebolista a filósofo

Depois de uma tarde inteirinha a jogar futebol, com muita disputa de bola, algumas birras e muita penalidade mediada pelos adultos, depois de um (mais um) jogo do mundial assistido fervorosamente com gritos entusiastas, regresso a casa, no carro, ainda eufórico e de caderneta de cromos da bola em riste,  (eu a ler-lhe a cartilha, que se tinha portado bem, mas que ainda tinha momentos de descontrolo e que controlar-se era muito importante...) o Pedro sai-se com esta: "Mãe, sabes o que é que é mais importante neste mundo?", eu atiro "comer?", "dormir?", "respirar?" e ele sempre "nãããão", tento algo mais profundo "amar?"; "não, mãe, claro que não, tu não sabes? quem é que te criou?" tento ir nessa direcção "os meus pais? pois a família é muito importante..."; "não, mãe, quem te criou primeiro de tudo foi Deus, Deus é o mais importante de tudo!" Fico suspensa... "Foi na catequese que te ensinaram isso, Pedro?"; "Não mãe tirei das minhas ideias, da minha cabeça..."

Friday, July 11, 2014

A minha prenda de anos para a Filipa

Fazes quarenta anos e sabes que isso é bom. Sabes a vantagem que esse olhar te dá sobre a vida, que te preenche os dias e te faz feliz. Já estiveste em Taizé, mas a tua paz interior, hoje em dia, não tem espaço para ocorrer. Já subiste uma montanha e usas essa força para transpor os obstáculos. Já percorreste algum mundo, mas gostas deste que é o teu, já viveste em Bilbau como em casa; viverias em Roma ou Nova York com a mesma paixão. Conheces o mundo e as pessoas, como só aos quarenta anos se pode. Não acreditas em tudo, embora acreditar seja uma das tuas virtudes.Já te desiludiste com a vida, ralhaste com ela, seguiste em frente; encaraste a morte, sentiste a saudade, não lhe perdoaste e, para te vingares, vives a vida com mais força ainda. Já fizeste dietas e sabes que não resultam, que o melhor é comer coisas com nomes estranhos para os teus pais, mas que são saudáveis e te trazem longevidade. Já veneraste fármacos, trocaste-os por homeopáticos ou por viver sem eles, se puderes. Já perdeste amigos, mas sabes bem fazer um novo e preservas muito os que tens. Já estendeste roupa pequenina e roupa grande de um desporto que não praticas e sabes que nesse estendal está tudo o que importa, mesmo que, às vezes, apeteça fugir. Já seduziste, sabes fazê-lo e o poder é tal que só o usas de forma orientada, moderada e selectiva; ao contrário do sentido de humor, da energia positiva e da alegria, que cresceram contigo e vale a pena esbanjar. Já hipercondriacaste tudo, agora já não stressas; sabes que não vale a pena, que a dor faz parte da vida, que o melhor é prevenir, menos quando uns amigos te desafiam para as comezainas e aí perdes a cabeça (e bem, porque também sabes, aos quarenta, que de vez em quando devemos fazer o que não se deve) e atestas com tudo o que as tuas alergias, figadeiras, colites e estomatites não permitem e, pronto, tens uma passagem de ano altamente, mas o primeiro dia do ano é no hospital!Não faz mal, viveste-o! Estás na tua, no teu melhor, curtes a tua arte, o teu cinema, a tua música, os teus projectos. Já tiveste um filho, plantaste uma árvore e, qualquer dia, amiga, escrevemos um livro juntas! Parabéns, amiga!

Thursday, July 10, 2014

Not again! (no seguimento da ouvidite)

"Mãe, sabias que tens de ir à minha escolinha buscar as notas?"
"Não, filha, como é que sabes?" (sem lhe dar muita importância,a pensar lembraste-te da escola e queres ter NOTAS como o Pedro que já é grande)
"Porque a professora ligou ao pai e eu ouvi! É para saberes se passei de ano..." (uhuh)
Eu, incrédula e condescendente, mais para que não me chateasse mais com aquilo do que para cumprir o desígnio lá estaciono em frente à escolinha, saio do carro, finjo que espreito, penso que só lá devem estar as funcionárias em limpezas gerais e vou fazer figuras tristes, volto para o carro com a desculpa na ponta da língua "hoje já deve ter fechado...", mas não vou a tempo de a debitar; a educadora assoma no jardim a acenar-me "Pensei que já não vinha! Liguei-lhe ontem duas vezes... (mudei de telefone, estava em reunião); acabei por falar com o seu marido" (que, por sua vez, se esqueceu de me avisar!)
Caio em mim. ELA tinha RAZÃO, mais uma vez! Ela realmente sabia o que NÓS tínhamos de fazer... Rendo-me às evidências, vou dar-lhe as chaves de casa e deixar de fingir que trato dela!  

Rosas de verão

A Maria e eu de mão  dada, ladeira abaixo, rodeadas de ciprestes e mármores mais ou menos envelhecidas pelo tempo. Descemos com tempo. Está uma manhã luminosa. Atinge-me o silêncio. Distante do bulício das ruas comerciais e das multidões do shopping. Aqui não há barulho, nem neóns,nem faixas berrantes de promoções, nem apitos de caixas registadoras, mas o meu cérebro,de alguma forma, transporta-me, por segundos até lá. Anseia inebriar-se de consumo e fugir deste silêncio. O silêncio, a quietude, a tenaz realidade limpa  desta mão pequenina e quente, passos pequeninos vibrantes sobre um solo de gente morta. Afasto as ideias, olho para o céu. Limpo e azul, muita luz, algumas asas. Um grupo de gente menos vestida de preto do que mandaria o protocolo e muito menos chorosa do que implicaria a situação, sobe a rua, no sentido inverso ao nosso. Não gosto de luto, nunca cumpri um, pelo menos por fora. Mas ocorre-me que hoje não velamos muito a morte. Não temos tempo, a vida é a correr. É aqui, filha, vira-se por aqui. Ainda deambulamos um pouco entre as campas, tudo demasiado encavalitado, não há corredores, quase se pisa o que não se deve, as memórias de alguém, filhos, pais, mães, maridos, fotos de soldados, datas que marcaram alguém e aquelas pedras para sempre. A nossa. Pelo menos estás com a tua mãe, mãe. Num mesmo pedaço de terra, se é que isso serve de algum consolo. Vamos pôr aqui as rosas do jardim da outra avó, que ainda as rega e cuida. "Cheiram bem", pois é, filha, são frescas cheias de vida; espera aqui um bocadinho que vou pôr água nesta jarra, se não também morrem, (de certa forma já morreram, penso). Ela diz que sim, que espera. E fico assim de longe a encher de água fresca aquela jarra com aquelas rosas vermelhas a Maria sentadinha no jazigo da minha mãe, cheia de sol no cabelo, a cantarolar uma canção imperceptível à distância. Mãos pequeninas a afagar-lhe a foto da lápide de morta, sentada na campa da avó, em vez de no seu colo, a imagem perfeita do paradoxo da existência.

Tuesday, June 24, 2014

Lições de moda!

     Hoje aprendi duas coisas sobre moda: uma com a minha filha, que tem quatro anos, e outra no catálogo do Lidl... se calhar, nenhuma das fontes abona muito a meu favor, no que diz respeito a estar actualizada em relação às últimas tendências, mas adiante.
     Pelos vistos, existe algo chamado jeggings, umas calças muito justas, a meio caminho entre os jeans e os leggings. Esta informação não me vai servir de muito, nas medidinhas top model que estou era capaz de ser um espectáculo muito digno de se ver, mas adiante outra vez.
     Já o entendimento da Mary, precioso, como sempre. Para ela é perfeitamente aceitável vestir uma saia azul com flores em tom de roxo, conjugar com uma T-shirt de riscas azuis e brancas e estampada com a cara da Minnie, finalizando o look com umas sandálias de um outro florido rosa-choque. no cabelo, ganchos multipadronados, tipo árvore de natal. Cheguei a casa e estava assim e serviu-lhe bem. Brincou todo o dia, feliz com os seus estampados, a rodar a saia (lembram-se como era bom rodar a saia?) para se avistarem as cuecas, por sua vez, às bolinhas e mais Minnie. A informação é, atenção meninas, por um lado, é possível ser-se feliz mal vestida e por outro, não é preciso que os outros gostem para que nos sintamos bem...

Monday, June 23, 2014

Exame Nacional de Matemática

Costumo dizer, a brincar, que desisti da matemática assim que começou a misturar letras e números. Tive o primeiro choque no sétimo ano, no final do 1º período - nível três, na pauta. É curioso que não me recordo das notas ou dos próprios testes, só mesmo do impacto que foi, lá em casa, tirar quatro níveis três no natal, eu que, até então, sempre tinha tido cinco a tudo. Ia-me azedando as rabanadas. Ninguém quis saber se tinha sido a transição de uma escolinha básica, o André Soares, para um grande liceu, o D. Maria II, se estava numa idade difícil, se a matéria era difícil, se os professores eram exigentes, que estudasse e pronto. Foi o que fiz, muito. Tanto é que, no segundo período subi todos esses níveis para nível cinco, directo. Agora, como professora, acho que isso foi extraordinário. Na altura, não fiz mais do que a minha obrigação. A matemática deu-me água pela barba, recordo-me. Tinha um livro de exercícios resolvidos, que tinha sido do meu primo, mas não era por isso que estava resolvido, era usado, de facto, mas resolvido por conceito, era assim, mostrava-nos como fazer, passo a passo, para resolver lá os problemas e as equações até chegar à solução. Isto tudo na era pré-google, na era em que a escola pública não era obrigada a oferecer apoios e em que o dinheiro não sobrava para explicações. Tardes inteiras e muitas lágrimas. Sozinha, no meu labor. A frustração, a persistência, a teimosia. Lembro-me de ser um processo árduo. Os primeiros exercícios e, às vezes, muitos de seguida, nunca davam certo, era triste, mas como? como? vamos lá fazer outra vez. Lembro-me da alegria, os primeiros resultados a bater certo, ou quase, e vamos lá tentar outro, acho que já estou a perceber, vamos lá tentar mais outro. E depois o prazer da mestria, quando já todos pareciam fáceis, afinal era fácil, não tinha nada que saber! Enfim, tudo isto me ocorreu, hoje de manhã, naquela sala em serviço de vigilância, já do lado de cá, eu de pé, eles sentados, eu distante dos números, eles a lutar com eles, alguns na luta, outros no desencanto, fora dali, sonolentos a ressacar o jogo do mundial até de madrugada. Adolescentes e manhãs é um paradoxo, sempre disse.O tédio da tarefa de vigiar, depois de lidas todas as obscenidades nas paredes, observadas todas as rachadelas nas paredes, lidas as instruções de evacuação em caso de incêndio ou sismo, não poder sentar e escrever tudo isto, não poder ler. Inveja da funcionária que lê, no corredor, não está a vigiar, pode ler, aqui nem água se pode beber. Alguns lutam com os compassos, mordem a língua. Aquela já acabou. Acabou num instante, o suficiente para a sua sabedoria ou vontade de a mostrar. Esta aqui nem sequer começou. Vai entregar em branco. Preencheu o cabeçalho, deitou a cabeça na mesa e dormiu. Ainda lhe toquei, já vou professora. Deixá-la dormir, pelo menos não incomoda. Admira-me que não haja mais tumultos em exames. Eles que vêm contra-vontade, é obrigatório; eles que têm de estar calados durante duas horas, eu diria que muitos não são capazes de manter silêncio, nunca o fizeram o ano todo, em nenhuma aula e depois ali, por milagre, respeitam. Afinal conseguem.Oxalá não ressone; se entra um inspector dizemos-lhe que está a raciocinar, a med(e)itar ou algo assim. Hordas de Vanessas por esse país fora chegam às salas de exame, maquilhadas, a cheirar a tabaco, leggings de padrões e t-shirts a revelar a barriga,unhas pintadas ou de gel, extensões, monos e madeixas no cabelo, artilhadas, mas não para a matemática. Não as estou a ver naquela minha labuta, naquele esforço. Se calhar a culpa é nossa, os colegas também não as sabem motivar, ou são sinais dos tempos, ou é a escola de massas, ou estou a exagerar. Eles também me parecem fora do contexto. Vêm de chinelos de dedo, havaianas, calções floridos, camisolas de alças. Nós a avisar que no primeiro caderno podem usar calculadora, esqueceram-se dela, um nem caneta tem. A escola empresta, só tens de escrever, desligar o modo mundial e raciocinar, ainda não estás de férias, precisas deste exame para passar. Ou não. Se reprovares abrimos um curso vocacional, financiado, damos-te aulas de apoio pedagógico e encaminhamos-te para a psicóloga da escola para te recuperar. Dorme, Vanessa, para o ano tratamos disso.

ouvidite

Ali, no consultório, sentada do lado de cá da mesa, a médica a examinar a Maria e ela a comunicar com precisão cirúrgica os sintomas, a deixar-se examinar, a comunicar com a médica, e eu, do lado de cá da secretária, sonolenta, meia ausente, demasiado calada para a minha aceleração costumeira, letárgica, meia ausente - tinha chegado a casa farta de escola e calor, o corpo a acusar o ano letivo e os quilómetros, exausta e a Mary a gritar, outra vez, de dor de ouvido e levem-me ao médico já em berros e lágrimas de súplica - e agora,tranquila, sossegada, a comunicar, sem mim, sem precisar de mim para esclarecer e ocorreu-me, num momento de clarividência, que ali estava ela, autónoma, sem mim, fui só o transporte, o motorista, o adulto facultador, há dias que ela nos dizia levem-me ao médico, se tivesse tido carta ia lá ela, sem chatear ninguém, resolvia tudo, tomava a iniciativa, sempre tomou; um dia, do alto dos seus dois anos chegou a casa e comunicou-me que ia deixar a fralda, isso mesmo, comunicou-me, informou-me, para mim ainda não tinha chegado o momento, não estava preparada, não era verão, não me apetecia lavar lençóis, nem calças sujas, mas para ela sim, tinha decidido, era a hora, o tempo dela, a minha Maria e foi-a de facto, que nunca mais foi preciso nada, ela sabia-o, sempre à frente da sua idade, sábia das suas decisões e muito à frente das minhas... enterneceu-me, aquela menina, pensei, tens de começar a ouvir mais os teus filhos, they know better, eles têm as respostas, a tua Maria pode ajudar-te, ouve-a mais, ouve-a melhor, ouve-a sempre. Entretanto a receita, a médica finalmente dirigiu-se ao adulto em presença, não sei porquê, podia ter dado a dosagem à Mary, está visto que é mais focada do que eu e eu tenho aquele problema com os números... enfim, à noitinha, depois do antibiótico pedi-lhe desculpa. Desculpa, filha, bem tinhas razão, era mesmo necessário ir à médica. Eu disse-te, mãe, tu é que não sabias que eu tinha uma ouvidite! (mas tu sabias, filha, tu sabias...)

Sunday, March 2, 2014

cocó na fralda: Carnaval (ainda)

cocó na fralda: Carnaval (ainda): Há uma imagem que não me sai da cabeça. Ontem, quando fui levar o disfarce de indiana à Madalena, estava um menino vestido de fato-de-trein...

a mim tb me aconteceu, uma menina de fato de treino e olhar triste. Sussurrei à educadora que podia ajudar, dar um pulinho a casa e trazer um disfarce antigo. Que não, que os pais não deixavam. Eram jeovás...