Thursday, July 10, 2014

Rosas de verão

A Maria e eu de mão  dada, ladeira abaixo, rodeadas de ciprestes e mármores mais ou menos envelhecidas pelo tempo. Descemos com tempo. Está uma manhã luminosa. Atinge-me o silêncio. Distante do bulício das ruas comerciais e das multidões do shopping. Aqui não há barulho, nem neóns,nem faixas berrantes de promoções, nem apitos de caixas registadoras, mas o meu cérebro,de alguma forma, transporta-me, por segundos até lá. Anseia inebriar-se de consumo e fugir deste silêncio. O silêncio, a quietude, a tenaz realidade limpa  desta mão pequenina e quente, passos pequeninos vibrantes sobre um solo de gente morta. Afasto as ideias, olho para o céu. Limpo e azul, muita luz, algumas asas. Um grupo de gente menos vestida de preto do que mandaria o protocolo e muito menos chorosa do que implicaria a situação, sobe a rua, no sentido inverso ao nosso. Não gosto de luto, nunca cumpri um, pelo menos por fora. Mas ocorre-me que hoje não velamos muito a morte. Não temos tempo, a vida é a correr. É aqui, filha, vira-se por aqui. Ainda deambulamos um pouco entre as campas, tudo demasiado encavalitado, não há corredores, quase se pisa o que não se deve, as memórias de alguém, filhos, pais, mães, maridos, fotos de soldados, datas que marcaram alguém e aquelas pedras para sempre. A nossa. Pelo menos estás com a tua mãe, mãe. Num mesmo pedaço de terra, se é que isso serve de algum consolo. Vamos pôr aqui as rosas do jardim da outra avó, que ainda as rega e cuida. "Cheiram bem", pois é, filha, são frescas cheias de vida; espera aqui um bocadinho que vou pôr água nesta jarra, se não também morrem, (de certa forma já morreram, penso). Ela diz que sim, que espera. E fico assim de longe a encher de água fresca aquela jarra com aquelas rosas vermelhas a Maria sentadinha no jazigo da minha mãe, cheia de sol no cabelo, a cantarolar uma canção imperceptível à distância. Mãos pequeninas a afagar-lhe a foto da lápide de morta, sentada na campa da avó, em vez de no seu colo, a imagem perfeita do paradoxo da existência.

1 comment:

  1. Eu que ainda tenho a minha mãe Rosa a cuidar das suas próprias rosas fico com a lágrima no canto do olho ao ler este texto. A vida é isto. Por paradoxal que pareça. Um beijo, Marta e Maria!

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