Saturday, October 17, 2015

Crónica a duas mãos sobre como duas cotas vêem a vida nocturna

sipérdueiti Antis foi purqê tiamava....
àgoratomábeibi aistuais consiquênciais...

Não estávamos à espera de ouvir o "Wake me up before you go" do George Michael, o "What a feeling" da Irene Cara ou o "Hurts so Good" de Mellencamp, mas também não há paciência para as kizombadas de mau português e para espaços cheios de homens pançudos de cerveja na mão a alimentá-la! E também não há paciência para o clima de engate descarado foleiro e descharmoso que adensa o ar fumador e os jogos de luzes de talho suburbano...ou será para enquadrar as pré-adolescentes desmamadas maquilhadas alma acima desde o umbigo à mostra até aos piercings mal pregados? Não nos interpretem mal, sem moralismos retrógrados, quem não estava bem ali éramos nós, ó cotas. É como diz o outro, "não há loiça para lavar em casa?" Se calhar tudo batia certo, o que a gente não estava era no nosso habitat natural, mas adiante.
Vamos às aprendizagens. Afinal o que está a dar "na noite" é sair de boné com autocolante e fato-de-treino, daqueles em que as calças parecem fraldas e lhes encurtam as pernas. A eles. Afinal ter "swag" é usar sutiãs pretos por baixo de tops brancos e usar cintas subidas em calças que não disfarçam a celulite precoce para corpos ainda sem partos. Os delas. Afinal ser "in" é estar sentado a uma mesa, em grupo, cada um com o seu telemóvel em riste. (Dá que pensar, estarão a falar no chat uns com os outros para contornar os decibéis ou estão a assistir ao último debate político para, depois, acertarem agulhas nas intenções de voto do gang em peso?).

bailaaaandooo, bailandooo
tu cuerpo y el mio llenando el vacio
subindo y bajando

Quase não se vê ninguém efectivamente bailando.
Os rituais tribais são outros.
Encostar-se ao balcão e esfregar os peitorais à espera que mais alguém repare que os têm insuflados de esteróides anabolizantes. Eles.
Tropeçar nos saltos (as que arriscaram encostar as sapatilhas iguais às deles) e ir penduradas nas amigas até à casa de banho para exorcizar o excesso de álcool misturado com cola zero, para não engordar. Elas.
Quando se encontram ou reencontram, eles e elas, temos esperança de os ver, finalmente bailando. Porém, os rituais tribais são outros.
Tirar selfies abraçados e beber shots acelerados. O refrão devia ser: emborcaaaando, emborcaaanndo. Espera, pensando bem, a letra sempre se coaduna:

Con tu física y tu química también tu anatomía
La cerveza y el tequila y tu boca con la mía
Ya no puedo mas (ya no puedo mas)

Quem não pode mais somos nós. Bora pra casa?

E que dizer do pai da miúda que era colega da nossa filha mais velha quando ambas tinham quatro meses de idade? Pois é! De dia, profissional de seguros, de noite um macaco com cio, com o grão na asa e o gargalo da mini na boca. O olhar turvo, provocador. Qual George Clooney! Nem sequer o Zé Cabra conseguia fazer melhor. É que se ao menos segurasse um copo de absolut citron... ainda dava para meditar, mas nada!

You are a dancing queen, young and sweet, only seventeen...

E vai desta aparece a fedelha a pedir-nos o tampão para estancar o sangue que lhe escorre perna abaixo. Vida maldita. Apetece dizer-lhe tampão não tché. Só cuecas de gola alta e pensos higiénicos XXL para absorção noturna. Não entende, a coitada. Ainda não pariu, não sabe o que é um fluxo. Em contrapartida, aos 15 anos sobeja-lhe a celulite a trepidar nas coxas desnudas, anafadas e engatadas nuns ténis rasos sem sal ou pimenta. Onde estão as saias travadas, as blusas apertadas e os saltos altos de fazer cortar a respiração?

Vamos até ao bar. Caipirinhas? É lá ao fundo. Não há Tom Cruise atrás do balcão. Servem-nos um sumo com sabor a lima e aroma de cachaça. Não chega para ver o Patrick Swaize na pista de dança, o Travolta e a Olívia Newton Jonh. Nem sequer uma miragem!
Ó saturday night fever sem febre nenhuma!

A páginas tantas, elas cansam-se. Invadem a pista de dança e... dançam. Abraçadas umas às outras. A disco foi transformada num baile da aldeia. Há novas e cotas. Nenhum deles tem coragem para quebrar aquele abanar de anca.

Dançando lambada ê, dançando lambada lá... versão  século XXI

Mas o melhor mesmo é o mobiliário típico. Aquele que nos acompanhava há 20 anos e que continua a sair todas as semanas. Peter Pans cheios de estilo. Camisinha justa, conversinha atrás da orelha, sapatinho de verniz com pala comprida e muito inglês a enrolar-se na boca para dar a volta às miúdas do Erasmus. Haja paciência.  Foi para isto que saímos de casa?

Foi. E foi desmotivante e foi divertido. Só não dá para aguentar o smell a tabaco a tresandar na roupa e no cabelo. São quatro da manhã.  O vizinho do segundo que se lixe. Vamos para a banheira limpar o triunfo dos bardinos. Gosto mais do cheiro a Ultra Suave e do gel de coco espalhado no corpo.
A minha cama é de sonho no universo. Há sais de frutos no armário,  mas nem lhes preciso tocar!


por Marta Pereira e Sílvia Brandão


Friday, October 16, 2015

A razão pela qual a mãe transmontana falta ao torneio

Primeiro pensei: a única razão pela qual a mãe transmontana falta ao torneio de futebol do seu filho é, obviamente, a apanha da castanha. 
Não amigos costeiros (durienses, bracarenses e lisboetas). A neve, na província, não impede o forte vínculo materno-futebolístico. Nem a geada. Nem o frio. Talvez nem mesmo a rara pluviosidade. Já estive em estádios sob intempéries, eu minhota contrariada com a bola e vi bancadas vazias cheias de mães-adeptas sem arredar pé. Mas. A castanea. A castanea, também apelidada de petróleo da região transmontana, é fruto de extremado valor comercial não arbitrado pelo senhor de preto do relvado. 
Depois lembrei-me: eventualmente o ouro de trás-os-montes, o azeite, também roubará adeptas às bancadas, para as colocar no lagar. E os enchidos. Nalgum fim de semana há-de ser preciso dar cartão vermelho às assobiadelas e aplausos e mostrar cartão verde às alheiras, ao butelo e à chouriça. 
Não se julgue de materialista ou interesseira esta atitude. Não é priorizar o ouro e o petróleo. É transformá-lo em chuteiras novas para marcar mais golos. 


Tuesday, October 13, 2015

CARN(E) aval*

No dia em que uma amiga minha mudou a sua imagem de perfil (é assim que se diz?) numa rede social, a perplexidade tomou conta de mim. Por uns momentos, vá. Já tenho quarenta anos. Já só se me arrebita  um cantinho da pálpebra da alma, sem se espantar toda, claro está. 
A miúda é mais nova que eu, cruzamo-nos um ano, na dança de escolas que a nossa carreira traz. Simpatizámos, ficámos "amigas" no face. Agradava-me o seu espírito jovem - pareço uma velha a falar, mas, de facto, naquela altura estávamos em diferentes estádios das nossas vidas, isso era até motivo de riso entre nós. Quando nos encontrávamos de manhãzinha cedo para partilhar boleia, ela com os olhinhos inchados de adolescente a quem a noitada pesa e a cama reclama, eu com os olhinhos inchados de mãe a quem a amamentação nocturna pesa e a cama reclama, ríamos com o nosso descubra-as-diferenças da rotina matinal. "Olha, eu hoje quase nem conseguia abrir os olhos para me maquilhar!" "Percebo, de manhã é difícil, eu também já vesti dois corpos com fraldas e roupas de mola, dei biberões, fiz lanches e estendi uma máquina de roupa!".
Agradava-me o seu espírito jovem, dizia eu, e percebem agora ao que me refiro - à sensação de que tinha mais cem anos do que ela!!!Demo-nos bem. A miúda era alegre, vivaça, tinha um sentido de humor extraordinário e perspicaz, alinhava comigo, tinha sempre um sorriso aberto. Um doce. 
A dança das escolas a trouxe e a levou, não perdemos contacto, entendemo-nos pelo face. Gosto das publicações dela, continuo a achar piada às mesmas coisas que ela, emociono-me com posts sobre as suas viagens - mais uma jovem portuguesa que teve de buscar emprego além fronteiras, invejo-lhe a juventude dos posts de farras com amigos, comezainas e sol, gosto de a saber bem, com a mesma alegria de sempre. 
Um dia vejo-lhe a foto alterada e, sem moralismos, porque o que mais há é gente desnuda na internet, penso "que é que lhe deu?"... é que aquilo não batia certo com a ideia que eu tinha dela, a ver se me entendem, teria sido alguém que, por brincadeira, lhe tinha conseguido fazer aquela partida? Assim de repente não a estava a imaginar a expor-se assim, parecia-me que nada tinha a ver com a pessoa que eu havia conhecido. Não me interpretem mal, cada um vive a vida como quer, usa a sua imagem como entende, isso não me perturba. Era só a desadequação entre a percepção que eu tinha daquela pessoa e aquela imagem. 
Não resisti perguntei-lhe por mensagem "o que é que te deu". Com o seu típico sentido de humor desabafou-me ser apenas uma foto de carnaval, que substituiu no minuto seguinte assim que percebeu que nunca tinha tido uma publicação tão popular!!!
Deixa lá, amiga, é carne-aval ninguém leva a mal!


*título brilhantemente sugerido e gentilmente cedido pelo meu entendidíssimo- nestes- assuntos marido

Sunday, October 11, 2015

Coisas incríveis que se podem encontrar na carteira de uma mãe*

 Eu sei que as há para todos os gostos, das mais arrumadinhas às mais metódicas, das que funcionam de improviso às que planeiam tudo geometricamente ao milímetro, mas a verdade é que a carteira das mães é terreno de insondáveis mananciais de inutilidades e resquícios da vida dos nossos filhos, quais fósseis das experiências que vão vivendo na sua ânsia de descobrir o mundo depressa e muito! Acompanhem-me, corrijam-me e acrescentem-me a tralha de que me esqueci, ou, quem sabe, à qual ainda não tive o privilégio de aceder!

1- Na minha carteira nem sempre tenho um penso higiénico ou um tampão quando dele necessito, mas NUNCA podem faltar os mágicos pensos coloridos com bonequinhos, que tudo curam do arranhão ao hematoma (santa ignorância!) e que, portanto, funcionam como verdadeiros isolantes de birras.

2- Brinquedos dos Happy Meals ou dos Kinder... ou pior do que isso, pequenas partes de brinquedos dos Happy Meals e dos ovos Kinder, que já não têm reconstituição possível, porém continuam ali a navegar na esperança de alguma utilidade futura. Não é raro sacar da chave do carro e vir uma mini perna de um Mickey pendurada de arrasto...

3- Pelo menos 50 talões de compra e recibos velhos e amachucados.Ah e cupões fora de prazo! (para que os guardamos se a probabilidade de efectivamente virmos a usufruir deles é tão remota?) Pensando bem, isto nada tem a ver com os miúdos, mas a verdade é que estão lá!


4- Uma pedra, no mínimoOs miúdos adoram enfiar-nos coisas sorrateiramente na carteira. uma pedra preciosa, qual jóia - pedra, calhau, concha ou pauzinho que, com o tempo (sim, porque nós carregamos com aquilo indefinidamente por ignorância, excesso de zelo ou preguiça de limpar a carteira), com o tempo, dizia, se esfacela, esmigalha ou esmaga por forma a criar uma autêntica sedimentação carteirística que PESA! Não à erosão intra-malas; que os putos guardem os seus próprios tesouros arqueológicos!

5- Bolachas esmagadas ou migalhas das últimas que foram consumidas. Estas acrescentam valor fértil à supra-mencionada sedimentação rochosa! No fundo, no fundo... é a nossa afanosa intenção de gerar antibióticos laboratorialmente na carteira! Não é desleixo, é reciclagem e economia familiar!

6- Chicletes duras e secas (possivelmente embrulhadas em pedaços de lenços de papel amarrotados, ou em papéis de rebuçado, ou nos próprios invólucros originais já bastante amolecidos/amarelecidos/encorrilhados com o tempo) resgatadas em SOS de alguma situação imprópria para ruminações - a consulta do dentista, a guloseima que surge, de repente, como mais apetecível do que a pastilha mordida e gasta, o balão que urge soprar e não se consegue com aquilo pelo meio... "Mãe, toma!"...A gente embrulha, GUARDA e depois esquece-se indefinidamente daquele resquício que ali anda, até que um dia, num almoço de colegas, sacamos do telemóvel para mostrar, orgulhosas, as fotos dos pimpolhos e aquilo vem atrás para passarmos do orgulho ao embaraço e vontade de lhes torcer o pescoço!

7- Pronto, confesso, há a remota hipótese de encontrarem um objecto de charme e sedução na minha carteira. Talvez um batom (já muito esmagado pelas tentativas esforçadas da mais pequena) ou um brinco perdido... porém dificilmente encontrarão o par!

8- Óculos de sol e /ou pulseiras, ganchos e bandeletes - deles, não nossas!

*(pronto, está bem, é só na minha!)

Saturday, October 10, 2015

Sentido de estilo - ou de como ninguém sai às pedras da calçada

Quinta-feira, pela tardinha, os dois na banheira . Eu ainda não me tinha "desfardado" da roupa de trabalho, nem desmaquilhado; apenas tinha vestido o roupão azul por cima da roupa. Calçava uns sapatos que eu até acho muito fashion, estilo masculino de cordões, mas em verniz, estão a ver quais são?  (vão perceber já de seguida porque é que estes pormenores sobre a minha vestimenta são importantes).
Segue-se o seguinte diálogo. Eles na banheira, eu sentadinha ao lado.

"Já repararam, filhos, que a mãe hoje pintou os olhos? Fica bem? "
(O Pedro interrompe-me logo)
"Sim, mãe! Estás LIIIIIINNNNDA!"
"Obrigada filho! E tu, gostas Maria? Achas que o pai vai gostar? Que se vai sentir atraído por mim?"
(e ela...)
"Nãaãão...."
"Não? Porquê filhota?"
"Olha, mãe, para ficares atraente tinhas de ter um vestidinho cor de rosa, uns sapatos de cristal e os lábios pintados..."
"Agora... (inflexão de voz inacreditável para a idade) 
Com (muito despachada e as inflexões de voz que não sei onde aprendeu...): ESSE robe, ESSE cabelo, ESSAS unhas e...(levanta-se um pouco da banheira e espreita-me os pés) com essas sapatorras... não tens hipótese!"


Sunday, October 4, 2015

Coisas estranhas que fazemos enquanto mães

Ser mãe é um fenómeno único.Transforma-nos irremediavelmente. Admitam ou não, mas, às vezes, enquanto mães (barra pais, para os que o são como deve ser) temos comportamentos bastante duvidosos. Se não vejamos:

1 - Cheiramos calças de pijama no entrepernas para saber se precisam de ir para lavar... (neguem à vontade, não posso ser a única!)

2- Limpamos remelas aos miúdos com a ponta da unha, já no elevador, quando a luz incide sobre a cara mal lavada. "Tens aqui um cisco!"

3- (Até uma certa idade... enquanto dá, enquanto não começam: "não era assim...") contamos a nossa versão da historinha para os adormecer... "Então era uma lebre e uma tartaruga" (vira a página) "fizeram uma corrida" (vira a página) "a tartaruga ganhou" (vira a página), "fim - cama! Toca a dormir!"

4- Escondemos o material de escritório como se de relíquias se tratasse... todas as mães sabem o valor daquela tesoura que insiste em desaparecer nas manualidades da nossa mais nova naquele exacto momento, de manhã, em que estamos para sair e falta cortar a etiqueta do blaser novo e vai ter de ser à dentada (dentes esses onde já temos pendurada a lancheira da mais nova e as chaves do carro!)

5- Rapamos o prato da papa lambida, porque sobra, porque é pena perder-se, porque sim... e comemos bolachas às escondidas (a eles faz-lhes mal!!!)

6- Fingimos interessar-nos por coisas pelas quais não temos interesse absolutamente nenhum. E, portanto, passamos a vida a dizer coisas tipo "Uau!Espectacular"; "A sério? Não me digas" - sobre coisas que preferíamos mesmo que não nos dissessem! "Mãe sabias que a mãe da Beatriz faz muffins decorados da Princesa Sofia?" (umpf!)

7- "Perdemos" brinquedos inadvertidamente em instituições de acolhimento de outras crianças (que não vivem cá em casa) ou mesmo junto a caixotes de lixo. Nota: quanto maior for o brinquedo, maior a probabilidade de ser perdido!

8- Pela mesma ordem de ideias, "acabam-se" as pilhas de quase todos os brinquedos sonoros das crias. Quanto mais estridente, mais depressa as pilhas "se gastam". Tenho uma amiga cuja filha, quando lhe perguntaram o que queria no natal, respondeu (adivinharam) PILHAS!

9- Roubamos, ou melhor, armazenamos os rebuçados à borla das salas de espera do dentista para podermos dar aos nossos filhos. "Obrigada, mamã!"; "De nada, filhota, agradece à DentalClinic." Espera aí, pensando bem são capazes de sair eles a ganhar (com as tuas cáries)!

10- Mentimos sobre a idade deles para pagar só meio bilhete. "Não, não, mãe, eu já tenho seis anos!"

11- Dizemos que é ilegal quando eles querem fazer algo que não nos apetece ou convém. "É proibido ir aos carrinhos de choque no primeiro dia de férias!"

12 - Mentimos descaradamente. "Não, amor, hoje o jardim zoológico não está aberto. Nem a gelataria. Nem o parque. "(lol)

13- Dizemos a MESMA coisa dez vezes, mas cada vez mais devagar e mais alto, como se fossem surdos. A mesma frase para entenderem?! Descalça as sapatilhas na casa de banho. DESCALÇA. AS SAPATILHAS. NA CASA DE BAAAANHO!

14 - Falamos na terceira pessoa... por que raio? "A mãe vai às compras..." EU!



Saturday, October 3, 2015

Europa-mãe

Eu já estive no Parlamento Europeu em Bruxelas e aí venderam-me um filme diferente daquele a que estou a assistir na actualidade. Vim de lá deslumbrada com o ideal europeu - a ideia de uma família supra fronteiriça  de comunhão civilizacional, económica e ética. A ideia de que não há guerra entre estados-membros. A ideia de que há liberdade de trânsito para pessoas, bens e serviços. E, desde então, nem a austeridade que se abateu no nosso país (e também na minha família em concreto, particularmente por sermos ambos funcionários públicos), nem a austeridade, dizia, me conquistou para posições mais extremistas que defendem a soberania nacional. Nem os ataques terroristas em Madrid me fizeram vacilar do espírito europeísta. 

Quando era estudante universitária usufruí de uma bolsa de estudo e estive um semestre a estudar em Ghent, na Bélgica, no centro da Europa. Apaixonei-me por essa centralidade, o acesso fácil a outros países, a coexistência de várias línguas estrangeiras, todo o carácter vibrante das capitais cosmopolitas e multiculturais. Encantou-me que a Bélgica tivesse fronteiras com diferentes países, (eu que vinha de um onde, para além de hermanos, só mar) - a França, a Holanda, o Luxemburgo, a Alemanha e que estivesse a um saltinho de Itália e até da Grã-Bretanha. Acho que foi a primeira vez que me senti europeia.

Infelizmente, temo que esta Europa esteja a mudar. Constroem-se muros e cercas de arame farpado. Assobia-se para o lado e espera-se que passe.

A crise dos refugiados é uma questão humanitária. Acolhamo-los, pois, que vêm com filhos às costas, em botes de borracha e pé na estrada, a fugir de uma guerra, em busca de esperança. Ponto. Sem ses nem mas. Sem hesitações, nem subterfúgios.

Isto dito, temo que os próprios ideais que nos constroem civilizacionalmente - valores de humanismo, tolerância, civismo, solidariedade, a tríade liberdade, fraternidade, igualdade - venham a ser, paradoxalmente, os que abrem portas ao seu próprio fim.

Temo que o ideal Europeu rua. Que os meus filhos venham a não poder beneficiar de uma bolsa de estudo num estado membro ou a ir de mochila às costas conhecer o velho continente, como eu fui. Temo que este espaço se torne mais belicoso, menos seguro, menos idílico, isso sim.

Mesmo assim, preferirei deixar-lhes uma Europa em convulsão do que ter de explicar-lhes porque, como nação, fechamos os olhos a um flagelo humanitário.