Thursday, February 4, 2016

Maria xójinha

      A minha filha joga sozinha ao monopólio. E ri-se sozinha. E celebra quando dá a volta ao tabuleiro. Sozinha. E interage. Consigo mesma. "Já tenho estes cartões todos, só me falta um para ganhar". (a quem? LOL) A dada altura lembra-se que eu existo na outra ponta da sala: " mãe! Eu vou ganhar!". Normalmente satisfaz-se com um boa-filha-muito-bem e volta ao seu mundo. O espírito independente da Maria é uma benção divina.

      Muito precoce na sua autonomia. Ainda não tinha completado os dois anos quando me informou que queria deixar a fralda. Assim mesmo. A decisão foi dela. Eu fui apenas informada. Porque a partir desse momento nada mais pude fazer, nem de dia, nem de noite, para impeli-la a usar fralda, nem que fosse só por precaução. Bem tentei argumentar, que no verão era melhor; que na caminha, a nanar e tal. Em vão. ELA já havia tomado uma decisão. 

      Como nas ouvidites (ler aqui e aqui), sempre a pequena a tomar as rédeas da sua vida, mesmo quando estamos desatentos. Admiro-a, por isso.

     Desenvolta, despachada, autónoma. De pequenina, de manhã cedo, eu a ferver, com os minutos contados para ir trabalhar e ela "Xójinha" e a chorar se eu insistisse em ajudar. Xójinha os collants (socorro!!!), xójinha os cordões das sapatilhas, xójinha a carregar a mochila para a escolinha, mesmo que, na altura, fosse quase do tamanho dela! O xójinha dela ia-me criando uma ulcera nervosa a mim!

     Assim que aprendeu a andar de bicicleta, ainda com rodinhas, das primeiras, aquelas que parecem triciclos, lá foi ela. Ganhou asas... nos pés. Era vê-la, a dar a volta toda ao parque e, mais uma vez, xójinha! As outras mães olhavam-me de soslaio, perguntavam por ela (pequenina)... "está lá ao fundo..." ousavam indagar "e vai sozinha?" Não saberia explicar-lhes que sim, que era a Maria, não havia problema, é uma menina independente e muito responsável. "Não tens medo que fuja para a estrada?" Não, não tenho. Trata-se da Maria. Ela já volta. Como de facto, com as mãos pequeninas cheias de flores pequeninas, brancas e amarelas, já meias quebradas por virem seguras entre as mãozinhas dela e o volante. Doçura.

     Lembro-me tantas vezes da seguinte cena emblemática. Sábado à tarde. Ambos no sofá. Digo "Meninos, se querem ir ao parque toca a ir calçar as sapatilhas" (teriam... 3 e 5 anos, respectivamente). Ela, levanta-se com aquele jeito despachado dela, vai ao quarto, calça-se e volta num instante para a sala com as sapatilhas do irmão (MAIS VELHO!!!!) na mão!  Ele, por sua vez, continua esparramado no sofá. Ela tenta enfiar-lhas nos pés. Observo a cena e não me contenho "Ó Pedro, então a tua mana é mais pequena que tu e ela é que te vai buscar as sapatilhas?". Ele encolhe os ombros e diz "ó, ela vai..."

      Amanhã é festa de Carnaval na escolinha. A Maria já me tinha informado que não precisava gastar dinheiro este ano, porque levava o disfarce de elefante que ainda lhe servia muito bem. Hoje pediu-me para levar também o vestido da princesa. Para emprestar à amiga, que não tem nenhum. Enche-me a alma sabe-la solidária. Cinco anos que tomam decisões a pensar nos outros. Orgulho.

      Depois, o pragmatismo. Pão, pão, queijo, queijo. Nem sei como definir isto - sempre que, em família, verbalizamos um obstáculo, uma dúvida, um nó Górdio, a Mary é a primeira a dar resposta. E, por regra, com muita pertinência. Ocorre-me a expressão inglesa para definir esta sua capacidade de resolução de problemas ("problem-solving skills"). Fala com tanta propriedade que, por vezes, surpreendida, chego a perguntar-lhe "como sabes isso, pequenina? onde aprendeste?", ao que me responde " em lado nenhum, tirei da minha cabeça". 
      "Eh pá, partiu-se isto!" - "Cola-se, não é?"
      "O pai nunca mais chega..." - "Telefona-lhe!"
       "Está frio? Nem sei se hei-de levar casaco..." - "Levas e se não tiveres frio deixas no carro"
       "Já nem me lembro por que rua era..." - "Tentas por esta, se não for, voltas para trás"
   
      Dá para perceber o padrão?
     
      Sempre que reflicto sobre isto, digo a mim mesma que tenho de escutá-la mais. Confiar. Na sua simplicidade, na sua intuição. Descomplica e resolve. Xójinha.

       
     

1 comment:

  1. Que queres que te diga?! Fico aqui a reflectir "xojinho" sobre toda a sua espontaneidade e sagacidade e concluo uma coisa muito simples:- Deus não anda distraído!!!

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