Tuesday, June 2, 2015

De força e com três nós

Domingo de bola e o meu filho esfuziante de chuteiras nos pés, apesar de todas as hiper-sensibilidades a pés calçados, às costuras das meias e a cordões para apertar. 

Domingo de bola, não da nacional, da que toda a gente segue, da que faz o país parar, da que não há notícias nos telejornais se não de claques ao rubro, milhares de pares de olhos esbugalhados em plasmas país fora, fixados nas voltas de vinte e dois homens, metade de cada cor, atrás de uma bola, a bola, o esférico; como diz uma criança, olha mãe, e do outro lado do campo também estão a jogar o mesmo jogo, só que vestidos de outra cor! Domingo de bola, dizia, não da nacional, campeonato ou taça ou lá o que é, que para mim é irrelevante porque acaba sempre mal com: 
treinadores ressabiados contra árbitros alegadamente injustos 
ou adeptos agressores ou agredidos 
ou polícias agressores ou agredidos
ou jogadores lesionados 
ou praças sujas e vandalizadas 
ou tudo isso um pouco.

Domingo de bola, então, da nossa, da que é importante, da que não vende jornais, mas faz o meu filho feliz - torneio de gente pequena a jogar como gente grande. 

Quem me conhece sabe - eu detesto futebol. (Só mesmo um filho para me fazer ir a um estádio). E eis-me no meu pior cenário. Um domingo inteiro a comer pó sob um sol intenso, a Maria a entediar-se numa bancada com não muita gente, mas bastante alvoraçada. Muitas mães-treinadoras-de-bancada a enfurecerem-se com coisas que me passam ao lado, com nomes muito técnicos, (Mas que raio significa pontapé de baliza se as traves não chutam? e o que quer dizer fora de jogo se eles estão todos lá dentro?) e a esganiçarem-se em uníssono "vai à bola, João" (para mim o João não fez se não ir à bola, coitadinho, a correr aquele tempo todo, debaixo de um sol escaldante, ela de rabo bem alcochoado e celulites centenárias que ainda agora mesmo está a alimentar com mais um pacote de salgadinhos e "vai à bola, João", coitadinho do João, havia era de "vai ó ginásio, mãe", larga os salgadinhos, deixa-me jogar). E eu, que não gosto mesmo nada de bola, nem de ouvir mascar salgadinhos, gosto de ver o meu filho em campo. Com trejeitos de vedeta, a ajeitar o cabelo. A agradecer para a bancada, quando lhes saúdam a entrada em campo, a celebrar num abraço colectivo, quando marcam golo. Afinal gosto de futebol. (Ou gosto tanto do meu filho que (até) gosto de futebol, não sei, não interessa.) Comove-me ver ali aquele rapazinho pequeno, ele que sempre foi tão desafiante em casa, a cumprir regras com afinco, a lutar pelo bem comum, pela equipa, a olhar de soslaio, a ver se o estamos a ver aquela finta caprichada, aquele remate audacioso - e nós estamos a ver, filho, até eu estou a ver, filho.

Outra pérola de bancada para me interromper a comoção. (não se consegue filosofar grande coisa a assistir a uma partida) "Se soubesses quantas bofAtadas vais levar logo à noite, não jogavas assim", a Maria de boca aberta, com os bigodes das bolachinhas de chocolate que vai comendo para enganar o estômago e o tédio, a olhar para ela incrédula. Come Mary, come. Olha o Mano vai entrar, vês que lindo o mano equipado e com as chuteiras apertadinhas, como ele gosta, de força e com três nós. De repente, correm mais, avançam (aprendo), um dos nossos remata - é o apoteótico "Gooooooolo" e a pérola, da equipa adversária em apoteose também "Vou-te a dar ( "a dar", não me enganei, é como falam os transmontanos, influências raianas, suponho) um murro nos olhos para ver se os abres e vês a bola". A Maria chocada. A esta altura eu já não. Quase me diverte. O marido ao lado e não diz nada, só fuma e bebe cerveja. Deve estar a pensar "Se soubesses quantas bofAtadas vais levar logo à noite, não comias salgadinhos assim!"

Às vezes perco-me, não sei quanto está, ou para que lado é suposto metermos golo, custa-me manter-me concentrada naquilo, se me dessem um murro no olho talvez eu também visse melhor ou se calhar falta-me o sal daquele pacote que não pára de estralejar  naquelas mãos raivosas.

Duas apitadelas e parece que acabou e que ganhámos. Rodar de bancada, a seguir jogas noutra ponta. Lá vamos - eu. o pai e a mana - ter contigo, suado e feliz, ganhaste o jogo e logo à noite não vais levar quantas não sabes, quer ganhes, quer percas. Tens os cordões apertados de força e com três nós, como tu gostas e tens-nos a nós, aos três, com toda a força.

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