Thursday, May 21, 2015

O nada que é tudo

Uma tarde cheia de sol na manta,
            com os miúdos a brincar na relva
                      e o Renato ao meu lado
                            enche-me o coração de alegria.
As pessoas a gabar-lhe o bom aspecto, a rápida recuperação e o ânimo e eu toda vaidade. Orgulho. Como quem exibe o namorado novo às amigas. Olho de soslaio e brinco "está fino", como quem diz, como quem berra, "olha, vês, sobreviveu!" (Que é mais do que simplesmente dizer "está melhor", "está forte", "recuperou", "superou". Expressões todas elas verdadeiras, mas insuficientes. Incompletas. Sobreviveu. Sobreviveu. Não morreu. Venceu a morte. Não é extraordinário, não é um milagre, um verdadeiro herói?)

Uma tarde cheia de sol, sem sombra de tubos, anestesias ou morfina. 
Tê-lo ao meu lado sem hora de visita.

As pessoas encontram-me, nas mais variadas situações, e indagam sobre o meu marido. Gosto de poder dizer que está melhor, mas hoje, por favor, saiam-me da frente que quero usufruir do sol, tenho urgência em ser feliz, entendem? Está uma tarde luminosa e é urgente ser feliz.

 Quando me perguntam, como está, às vezes, sem querer, sai-me "está vivo". Digo-o triunfante, sem sombra de lamúria. Digo-o como uma vitória, uma conquista. Mas, algumas pessoas, para as quais estar vivo é uma banalidade, uma certeza, um nada, olham-me espantadas, sem entender.  Sem entender que estar vivo é, como dizia Pessoa, "o nada que é tudo".

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