Estão a ver aquele momento em que o mecânico olha com ar de reprovação para o nosso carro, mira, remira, franze o sobreolho, acena que não com a cabeça, sem pronunciar palavra? Naquele momento a gente sente-se como uma criança que acabou de fazer uma asneira e está prestes a ser repreendida pelos pais... Depois, do alto da sua sapiência transcendental em peças e motores, o homem lá balbucia algo do género "não está fácil" ou "é complicado" ou apenas uns estalidos de língua ("tttt...tttt...tttt") que anunciam desgraça... e sempre de rosto fechado e poucas palavras, a prenunciar um castigo grande, antes fossem palmadas, vai é ser uma peça caríssima e honorários exorbitantes, o melhor mesmo será comprar novo... e nunca mais desenbucham, pigarreiam, coçam a cabeça, miram, remiram, que nervos!
Eu não sei quanto a vocês, mas a mim, aqueles instantes trazem-me um misto de ansiedade (será que tem conserto?), culpa (que mal terei feito eu?), humilhação (ele está por dentro e eu não) e mesmo medo (lá se vai um ordenado de trabalho árduo...). Quer dizer, será preciso tanto drama para compor uma válvula?
Irrita-me esta postura de mecânico/picheleiro/ electricista/ cabeleireira, aquela pequena grande autoridade no assunto, aquela censura implícita, aquele adivinhar que me vão levar couro e cabelo, mesmo que seja por uma insignificância, um pormenor que, dada a minha ignorância e o ar pesaroso do diagnóstico assume uma proporção gigantesca. Irrita-me esse desequilíbrio, soa-me a deslealdade, a vingança. Como é que hei-de explicar isto? Quando um aluno meu erra uma resposta, eu não me ponho com aquele ar reprovador e grave, não insinuo que vai chumbar de ano ou que os seus planos de entrar em medicina sairão gorados por tal lapso! Nem vou usar isso para parecer magnânima e condescendente ao dar uma boa nota (apesar dos erros) ou para poder dar uma nota pior do que na realidade ele merecia...
"Está muito seco, este cabelo..." Lá vamos nós. Subtexto: não te cuidas, Marta Pereira, só te dedicas aos putos e ao trabalho, devias pôr loções, sprays, máscaras e óleos de jojobá a toda a hora, bem sabes que não fizeste o trabalho de casa...
"Isto está aqui um berbicacho..." ; silêncio comprometedor, aceno de cabeça. Pronto, Marta, já deste conta de mais um electrodoméstico, quem te manda andar sempre a mil?
Estão a ver o padrão? A gente acaba por pedir desculpa por lhes estar a dar trabalho e por nos limparem o sebo da maneira que bem entenderem...
Ainda me hei-de tornar especialista em manicure e encher a minha auto-estima (e os meus bolsos) com as cutículas e o desleixo das senhoras doutoras mães de filhos! Ou então contrato o Manny Mãozinhas, que anda sempre bem disposto!
E, pronto, hoje é isto. Se calhar estou ressabiada, de alguma forma, por ter deixado 900 euros no mecânico!
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