Sunday, April 9, 2017

Carlos

Hoje perdeste o teu pai, marido. 
Sei que essa dor é profunda e não vai passar nunca, até ao resto dos teus dias. 
Estou do lado desse pesar e não poderei nunca mitigá-lo. 
Também partilho a tua dor.
Também estou triste com a partida do pai Carlos.

O Carlos era um homem às direitas. 
Viveu para trabalhar, na honestidade e no empenho, com a dureza dos bravos e a força de poucos. Viveu para a família. 

Foi para os nossos filhos um grande avô. 
Que os deliciava com as histórias dos tigres em África e da vida no mato. Da boca do avô aprenderam a dureza dos tempos das fomes, a necessidade de darmos valor ao que temos, de sermos honestos, de termos palavra. "Um homem nunca falta à sua palavra, Pedro! Tu vais ser um grande homem! Nunca te esqueças disto!"

Das mãos do avô viam dar vida à terra: das árvores, colher frutos; da terra, trazer batata; das videiras fazer vinho. 
O Pedro adorava ir para o campo com o avô. O Carlos adorava vê-lo por lá. A vindima era uma festa, cestos cheios, casa cheia, trabalho até de madrugada e a alma feliz com o rebuliço. 
O avô Carlos gostava de ver a nossa Maria, pequenina, debaixo da laranjeira a descascar tangerinas ao sol. Gostava de ouvir os netos no quintal, à desgarrada, enquanto ele se sentava à sombra a ler o jornal.
O bu Carlos também gostava de os ver a esgravatar na terra e a roubar os morangos ainda verdes da avó. Gostava que eu  não me importasse que eles se sujassem. Eu gostava que ele tivesse essa alegria.

O Carlos gostava de ter a casa cheia, a mesa cheia, de filhos, netos, genros, noras e frangos rechonchudos a brilhar no centro da mesa, assados lentamente no forno a lenha, criados não menos lentamente e com não menos carinho durante meses, desde pitos pequeninos a galos vistosos, de coxas grandes e rijas como se fossem perus.
O Carlos, pai Carlos, como eu lhe chamava, gostava de nos ter à mesa, com infusas de vinho cheias e docinhos de feira que ele trazia para os netos, no fim da missa de domingo. 
O pai Carlos, debilitado pela doença, no hospital, mas agarrado à esperança de voltar a esta mesa farta de paladares e afectos, expressou o desejo de comermos juntos um leitão. Fome de vida que havemos de honrar, Carlos. Um dia destes vamos cumprir esse desejo e celebrar o teu legado incontornável nas nossas vidas.

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