Hoje perdeste o teu pai, marido.
Sei que essa dor é profunda e não vai passar nunca, até ao resto dos teus dias.
Estou do lado desse pesar e não poderei nunca mitigá-lo.
Também partilho a tua dor.
Também estou triste com a partida do pai Carlos.
O Carlos era um homem às direitas.
Viveu para trabalhar, na honestidade e no empenho, com a dureza dos bravos e a força de poucos. Viveu para a família.
Foi para os nossos filhos um grande avô.
Que
os deliciava com as histórias dos tigres em África e da vida no mato.
Da boca do avô aprenderam a dureza dos tempos das fomes, a necessidade
de darmos valor ao que temos, de sermos honestos, de termos palavra. "Um
homem nunca falta à sua palavra, Pedro! Tu vais ser um grande homem!
Nunca te esqueças disto!"
Das mãos do
avô viam dar vida à terra: das árvores, colher frutos; da terra, trazer
batata; das videiras fazer vinho.
O Pedro adorava ir para o campo com o
avô. O Carlos adorava vê-lo por lá. A vindima era uma festa, cestos
cheios, casa cheia, trabalho até de madrugada e a alma feliz com o
rebuliço.
O avô Carlos gostava de
ver a nossa Maria, pequenina, debaixo da laranjeira a descascar
tangerinas ao sol. Gostava de ouvir os netos no quintal, à desgarrada,
enquanto ele se sentava à sombra a ler o jornal.
O
bu Carlos também gostava de os ver a esgravatar na terra e a roubar os
morangos ainda verdes da avó. Gostava que eu não me importasse que eles
se sujassem. Eu gostava que ele tivesse essa alegria.
O Carlos gostava de ter a casa cheia, a mesa cheia, de filhos, netos, genros, noras e frangos rechonchudos a brilhar no centro da mesa, assados lentamente no forno a lenha, criados não menos lentamente e com não menos carinho durante meses, desde pitos pequeninos a galos vistosos, de coxas grandes e rijas como se fossem perus.
O Carlos, pai Carlos, como eu lhe chamava, gostava de nos ter à mesa, com infusas de vinho cheias e docinhos de feira que ele trazia para os netos, no fim da missa de domingo.
O pai Carlos, debilitado pela doença, no hospital, mas agarrado à esperança de voltar a esta mesa farta de paladares e afectos, expressou o desejo de comermos juntos um leitão. Fome de vida que havemos de honrar, Carlos. Um dia destes vamos cumprir esse desejo e celebrar o teu legado incontornável nas nossas vidas.
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