By Mary
Xmas 2015
Wednesday, December 30, 2015
Postal de Natal
Nesta época festiva, para além de vos pedir, quero agradecer pelo carinho, pela atenção, pela paciência, pela ternura e por todo o amor que me dão.
Também vos quero pedir desculpa por tudo o que eu faço que vos desagrada.
Obrigado por também me terem ajudado nos trabalhos de casa e noutras coisas.
Vou tentar ser meigo e carinhoso com vocês. Espero que fiqueis contentes.
Espero que seja um Natal mágico com vocês e toda a família.
Do vosso filho Pedro."
(Escrito a 15 de Dezembro de 2015)
Thursday, December 24, 2015
A minha carta ao Pai Natal
Não sei se ainda venho a tempo, mas como sabes sou mãe e, portanto, sou sempre a última das minhas prioridades. Eu não sei muito bem se acredito em ti ou não, mas, pelo sim, pelo não, tenho uns desejos para expressar. Se tu fosses menos pançudo e barbudo e mais parecido com aqueles senhores musculados dos calendários solidários, eu não teria perdido a oportunidade de me sentar ao teu colo a pedir um desejo, mas como és velhote e moras tão longe, basta-te assim. Presta bem atenção porque a maioria dos pedidos são semelhantes aos do ano anterior e não foram atendidos. Desconfio que estás a ficar surdo ou senil, naturalmente, será da idade. Ou então eu portei-me mesmo mal e não mereci nada daquilo. Vou tentar a minha sorte outra vez. Tenho sido uma boa mãe: alimentei-os, lavei-os, vesti-os, mimei-os e berrei-lhes o ano todo.
1) Recauchutagem
Ora bem, assim para começar podia ser braços de ferro para os transportar quando adormecem no carro; uma actualização do cérebro com extra créditos de paciência e, já agora, a devolução das maminhas e da cinturinha pré-parto, faxavor!
2) Gadjets
Era assim um automóvel com aspiração central que detectasse as migalhas automaticamente; era uma televisão que tivesse algum canal para além do Panda, do Disneychannel, do Nickleodeon ou do CartoonNetwork e uns phones ultrapotentes para eu conseguir falar ao telefone. Ainda queria um placard em neóns berrantes onde eu pudesse programar as instruções mais frequentes, de preferência com suporte audio, do estilo: "Vão lavar os dentes!"; "Venham para a mesa!" ou "Lavem as mãos!" , entre outras. Isto podia vir acompanhado de um sistema de semáforos para a casa de banho e também um daqueles ecrãs numéricos, como no talho, para organizar os pedidos de auxílio aos pais!
3) Bagatelas
Estava mesmo a precisar de um filho que não comesse com as mãos; uma filha que respondesse sempre "sim, mamã" (pensando bem até pode mesmo ser uma boneca, só para reforçar a minha auto-estima). Também dava jeito dois irmãos que não se pegassem e com sistema de autolimpeza incorporado, como aqueles fornos automáticos que se limpam sozinhos.
4) Luxos
Se, eventualmente, estes produtos já estiverem esgotados contento-me com cinco minutos de absoluto silêncio (nada de muito grave, mas tipo uma mudez temporária ou uma afonia ligeira) ou tempo suficiente para conseguir lavar a cara e pentear-me na mesma manhã ou para não ter de fazer uma sopa em três actos!!
5) Milagres
Como estamos na época deles, também posso pedir os meus: se não fosse pedir muito era uma lei que proibisse os trabalhos de casa; era convenceres os meus filhos a colaborar nas tarefas domésticas voluntariamente e, se não fosse muita maçada, dares também a volta ao miolo do pai para não lhes dar guloseimas às escondidas!
Ora bem, assim para começar podia ser braços de ferro para os transportar quando adormecem no carro; uma actualização do cérebro com extra créditos de paciência e, já agora, a devolução das maminhas e da cinturinha pré-parto, faxavor!
2) Gadjets
Era assim um automóvel com aspiração central que detectasse as migalhas automaticamente; era uma televisão que tivesse algum canal para além do Panda, do Disneychannel, do Nickleodeon ou do CartoonNetwork e uns phones ultrapotentes para eu conseguir falar ao telefone. Ainda queria um placard em neóns berrantes onde eu pudesse programar as instruções mais frequentes, de preferência com suporte audio, do estilo: "Vão lavar os dentes!"; "Venham para a mesa!" ou "Lavem as mãos!" , entre outras. Isto podia vir acompanhado de um sistema de semáforos para a casa de banho e também um daqueles ecrãs numéricos, como no talho, para organizar os pedidos de auxílio aos pais!
3) Bagatelas
Estava mesmo a precisar de um filho que não comesse com as mãos; uma filha que respondesse sempre "sim, mamã" (pensando bem até pode mesmo ser uma boneca, só para reforçar a minha auto-estima). Também dava jeito dois irmãos que não se pegassem e com sistema de autolimpeza incorporado, como aqueles fornos automáticos que se limpam sozinhos.
4) Luxos
Se, eventualmente, estes produtos já estiverem esgotados contento-me com cinco minutos de absoluto silêncio (nada de muito grave, mas tipo uma mudez temporária ou uma afonia ligeira) ou tempo suficiente para conseguir lavar a cara e pentear-me na mesma manhã ou para não ter de fazer uma sopa em três actos!!
5) Milagres
Como estamos na época deles, também posso pedir os meus: se não fosse pedir muito era uma lei que proibisse os trabalhos de casa; era convenceres os meus filhos a colaborar nas tarefas domésticas voluntariamente e, se não fosse muita maçada, dares também a volta ao miolo do pai para não lhes dar guloseimas às escondidas!
Wednesday, December 23, 2015
o menino que escolheu não crescer
eu acho que
se quase toda a minha vida tivesse sido passada em instituições
se
a espaços destas
me fizessem promessas de me ir lá buscar aos fins de semana e não aparecessem
a espaços destas
me fizessem promessas de me ir lá buscar aos fins de semana e não aparecessem
se então fosse castigado por ir ver a minha mãe-que-não-me-vem-ver a um local "impróprio para meninos da tua idade"
se a espaços me permitissem voltar para o meu pai-que-não-me-vem-ver só para testemunhar que ele é um herói e que expulsa à punhada da tasca onde trabalha os bêbados que não querem pagar
se quase toda a minha vida tivesse sido passada em instituições
em que outros meninos me roubassem os legos
se na escola os outros meninos
chamassem nomes feios à minha avó-que-não-me-vem-ver
e eu ficasse furioso com eles (mesmo sem que ela me viesse ver)
e me envolvesse em brigas
por isso
chamassem nomes feios à minha avó-que-não-me-vem-ver
e eu ficasse furioso com eles (mesmo sem que ela me viesse ver)
e me envolvesse em brigas
por isso
se quase toda a minha vida tivesse sido passada em instituições
onde me obrigavam a comer a sopa toda para crescer
se, porque eu não crescesse, mesmo comendo a sopa toda à força,
me levassem a uma médica e me receitassem umas picas diárias
eu acho que também detestaria sopa
se, porque eu não crescesse, mesmo comendo a sopa toda à força,
me levassem a uma médica e me receitassem umas picas diárias
eu acho que também detestaria sopa
eu acho que construiria uma enorme cidade de legos para eu viver para sempre
e
não haveria
médica nenhuma,
pica nenhuma,
sopa toda nenhuma
que me obrigassem a crescer!
médica nenhuma,
pica nenhuma,
sopa toda nenhuma
que me obrigassem a crescer!
Friday, December 4, 2015
Uivar
Há um cão que uiva no terraço da vizinha.
Questão que sempre me intrigou: porque uivarão os cães? que mágoa lhes irá na alma? saudades de alguém? sentem-se presos? quererão fugir? pressentirão desgraças? doenças, mortes, a tristeza dos outros? terão medo? adivinham trovoadas? terramotos?
Questão que sempre me intrigou: porque uivarão os cães? que mágoa lhes irá na alma? saudades de alguém? sentem-se presos? quererão fugir? pressentirão desgraças? doenças, mortes, a tristeza dos outros? terão medo? adivinham trovoadas? terramotos?
Porque me entrará nas entranhas este uivo agudo? Que ecoará em mim este grito de desespero? Há dias em que me apetecia poder uivar como ele. Com os pulmões todos e sem escrúpulos.
Alguém diria, porque gane a vizinha, que lhe dói, ou então confundiam-me com ele e nem davam por nada. Afinal que razões tenho para querê-lo? A morte da minha mãe, as birras dos miúdos, uma palavra torta do marido, o cancro do amigo de 40 anos que tem quatro filhos menores, nada, porque uivas rapariga, porquê esse grito profundo que sai para dentro e não de encontro ao luar como o do cão da vizinha?
Tiroteios, crianças que desembocam em praias, pais que atravessam países a pé com filhos ao colo, botes de borracha que enterram vidas no mar, atentados, que te mói? Que imagens trazes aí dentro a uivar baixinho? Um país que não se endireita, um mundo em tumulto e desconcerto, que razões te mastigam a alma, uma mãe que partiu e já não faz mexidos há quatro natais, também os fazes bem, é assim a vida, agora faze-los tu, é a tua vez, depois a tua Maria, quem sabe o teu Pedro, ambos a uivar baixinho, enquanto partem o pão? Atentados em cidades-luz, que só percebias com glamour e agora sangue e corpos pelo chão? Apetecia uivar com força, como ele faz, sem escrúpulos, à luz da lua, à luz do dia, sem pudores, nem recalcamentos.
Choramos tão pouco; tem que ser bonito e alegre, como nos filmes. Redes sociais carregadas de imagens perfeitas, viagens, jantares, árvores de natal com luzinhas e crianças à volta dela, bem vestidinhas, sem nódoas, com sorrisos e sem teimas nem birras. Ninguém uiva no facebook. Mesmo os movimentos solidários que aí surgem, os casos difíceis que aí se descrevem, crianças carecas no IPO, perfis a três cores, pela França, tudo envolto nalgum romantismo, como se não fosse real, como se fosse só virtual, como se fossem filmes, ficções, nadas para nos sentirmos bem com o nosso quotidiano sem isso. Ninguém se exalta na sociedade contemporânea. E, no entanto, xanacs e depressões e gente que enrola bombas à cintura e se detona...
Trago o uivo do cão da vizinha cá dentro, como uma faca que fere e angustia, precisava de uivar com ele, nem que fosse uma só vez. Que digo? Uma, duas, mil vezes, horas, noites inteiras a carpir nadas; que razões, vizinha do cão que chora? Deitar de uma vez cá para fora histórias de meninos com vidas difíceis com quem trabalho e que absorvo como uma esponja. Uivar a morte da minha mãe que nunca chorei. Uivar a exigência da maternidade. Fotos bonitas de crianças a sorrir, a pendurar bolinhas na árvore de natal e, no entanto, birras; e, no entanto, desaforos; e, no entanto, confrontos. Deve ser mais fácil para as cadelas. Amamentam, nutrem e lambem. Mas, mesmo assim, uivam. Eu não, mas gostava. Agora este aperto. Um país que não se endireita, meninos a brincar aos governos, sem abrigos na rua, pensões que não pagam medicamentos, hospitais a rebentar pelas costuras de doentes e sem médicos para pôr remendos;um mundo às avessas, corrupção, violência, terrorismo.
Trago o uivo do cão da vizinha cá dentro, como uma faca que fere e angustia, precisava de uivar com ele, mil vezes, horas, noites inteiras a carpir nadas; que razões, vizinha do cão que chora?
Quero uivar com o cão da vizinha.
Alguém diria, porque gane a vizinha, que lhe dói, ou então confundiam-me com ele e nem davam por nada. Afinal que razões tenho para querê-lo? A morte da minha mãe, as birras dos miúdos, uma palavra torta do marido, o cancro do amigo de 40 anos que tem quatro filhos menores, nada, porque uivas rapariga, porquê esse grito profundo que sai para dentro e não de encontro ao luar como o do cão da vizinha?
Tiroteios, crianças que desembocam em praias, pais que atravessam países a pé com filhos ao colo, botes de borracha que enterram vidas no mar, atentados, que te mói? Que imagens trazes aí dentro a uivar baixinho? Um país que não se endireita, um mundo em tumulto e desconcerto, que razões te mastigam a alma, uma mãe que partiu e já não faz mexidos há quatro natais, também os fazes bem, é assim a vida, agora faze-los tu, é a tua vez, depois a tua Maria, quem sabe o teu Pedro, ambos a uivar baixinho, enquanto partem o pão? Atentados em cidades-luz, que só percebias com glamour e agora sangue e corpos pelo chão? Apetecia uivar com força, como ele faz, sem escrúpulos, à luz da lua, à luz do dia, sem pudores, nem recalcamentos.
Choramos tão pouco; tem que ser bonito e alegre, como nos filmes. Redes sociais carregadas de imagens perfeitas, viagens, jantares, árvores de natal com luzinhas e crianças à volta dela, bem vestidinhas, sem nódoas, com sorrisos e sem teimas nem birras. Ninguém uiva no facebook. Mesmo os movimentos solidários que aí surgem, os casos difíceis que aí se descrevem, crianças carecas no IPO, perfis a três cores, pela França, tudo envolto nalgum romantismo, como se não fosse real, como se fosse só virtual, como se fossem filmes, ficções, nadas para nos sentirmos bem com o nosso quotidiano sem isso. Ninguém se exalta na sociedade contemporânea. E, no entanto, xanacs e depressões e gente que enrola bombas à cintura e se detona...
Trago o uivo do cão da vizinha cá dentro, como uma faca que fere e angustia, precisava de uivar com ele, nem que fosse uma só vez. Que digo? Uma, duas, mil vezes, horas, noites inteiras a carpir nadas; que razões, vizinha do cão que chora? Deitar de uma vez cá para fora histórias de meninos com vidas difíceis com quem trabalho e que absorvo como uma esponja. Uivar a morte da minha mãe que nunca chorei. Uivar a exigência da maternidade. Fotos bonitas de crianças a sorrir, a pendurar bolinhas na árvore de natal e, no entanto, birras; e, no entanto, desaforos; e, no entanto, confrontos. Deve ser mais fácil para as cadelas. Amamentam, nutrem e lambem. Mas, mesmo assim, uivam. Eu não, mas gostava. Agora este aperto. Um país que não se endireita, meninos a brincar aos governos, sem abrigos na rua, pensões que não pagam medicamentos, hospitais a rebentar pelas costuras de doentes e sem médicos para pôr remendos;um mundo às avessas, corrupção, violência, terrorismo.
Trago o uivo do cão da vizinha cá dentro, como uma faca que fere e angustia, precisava de uivar com ele, mil vezes, horas, noites inteiras a carpir nadas; que razões, vizinha do cão que chora?
Quero uivar com o cão da vizinha.
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