Tuesday, June 16, 2015

(Dis)(con)cordar


Fizemos catorze anos de casamento sem nos lembrarmos da data... É como diz o cartoon, a partir de certa altura, só o facto de se continuar casado já é motivo de celebração! A mim não me parece ter passado tanto tempo, pese embora eu diga muitas vezes a brincar que já lá vão cento e quarenta anos! Parece que foi no outro dia que não cumpri o protocolo e te pedi em casamento, que não cumpri o protocolo e esperei por ti na igreja, que não cumpri o protocolo e te conduzi a casa, vestida de noiva, depois de uma boda cheia de amigos, alegria e copos! Parece que foi no outro dia que não cumpriste o protocolo e me juraste felicidade em vez de fidelidade. Parece que foi no outro dia que não cumprimos o protocolo, empilhaste as notas e adormeceste. Parece que foi no outro dia que os nossos amigos não cumpriram o protocolo e disseram "ya men" em vez de "amen", e que nos banharam de cerveja em vez de arroz e que nos tocaram à porta depois da noite de núpcias. Foi no outro dia, não vai há muito. Vai há dois filhos atrás. Depois tornámo-nos excelentes pai e mãe e, por inerência, pior esposos. Dos que se esquecem um do outro porque as crianças estão primeiro. 

Pensando bem quase nunca foi protocolar e ainda bem. Nunca concordamos muito (somos dois seres demasiado livres para concordar), nunca foi da cor dos filmes, nem com banda sonora romântica por trás. E, hoje, ou há dois dias atrás, é tempo de renovar os votos, na certeza de que (quase) só te dei aquele sim na vida e que, se é para prometer, então prometo que continuarei a discordar e a dizer-te muitos nãos pela vida fora.

Tuesday, June 9, 2015

Cenouras sem sal!


Se me perguntassem, qual é, na sua opinião, o alimento menos apropriado para dar aos seus filhos durante um torneio no intervalo dos jogos, eu juro que a resposta seria BATATAS FRITAS. Gordura e sal. Para ir correr, de seguida, sob um sol intenso. Pior do que isso só se fosse mesmo bacalhau com natas, mas aparentemente dessa ainda ninguém se lembrou (deixa-me falar baixo para não dar ideias). 
Batatas fritas, então. E mães que blasfemam, ameaçam e agridem, com palavras e sal. 
Atrás de mim, com ar anafado, um homenzinho pequenino (daqueles tão pequeninos que não chegam com os pezinhos ao chão quando se sentam numa cadeira... não me levem a mal, mas essa imagem sempre me deu vontade de rir!). O homenzinho pequenino descasca amendoins com mãos roliças. Nas mãos dele os amendoins parecem gigantes. Descasca, descasca, descasca. Rilha, rilha, rilha. Estende-se sob ele (muito abaixo dos pezinhos a balançar) um manto de cascas de amendoim. Acho mal, não tenho nada com isso. 
A minha pequena rilha com a mesma voracidade a cenoura aos palitinhos que lhe trouxe num tupperware. Docinha, a minha pequena, a ficar com um halo alaranjado à volta dos lábios e a rir-se e a falar de boca cheia de pedacinhos cor-de-laranja (pouco me importa se leva tracinhos com o novo acordo ortográfico ou não, não hão-de ser os hífenes que descoloram os pedacinhos deliciosos na boca da minha pequena). Subitamente, toda a equipa ataca os palitinhos de cenoura, para desespero da minha Maria a quem os cinco aninhos e o apetite voraz dificultam a partilha. Rilham, rilham, rilham. Uma mancha de equipamentos amarelos e azuis de cenouras na mão para desespero da minha Maria, dizia, pasmo de uma bancada mastigante de lixo alimentar e, confesso, para meu gáudio. Amanhã trago um saco delas, uma para cada um - a ver se me vingo das mães-batata-frita e do homenzinho dos pés no ar!








Tuesday, June 2, 2015

De força e com três nós

Domingo de bola e o meu filho esfuziante de chuteiras nos pés, apesar de todas as hiper-sensibilidades a pés calçados, às costuras das meias e a cordões para apertar. 

Domingo de bola, não da nacional, da que toda a gente segue, da que faz o país parar, da que não há notícias nos telejornais se não de claques ao rubro, milhares de pares de olhos esbugalhados em plasmas país fora, fixados nas voltas de vinte e dois homens, metade de cada cor, atrás de uma bola, a bola, o esférico; como diz uma criança, olha mãe, e do outro lado do campo também estão a jogar o mesmo jogo, só que vestidos de outra cor! Domingo de bola, dizia, não da nacional, campeonato ou taça ou lá o que é, que para mim é irrelevante porque acaba sempre mal com: 
treinadores ressabiados contra árbitros alegadamente injustos 
ou adeptos agressores ou agredidos 
ou polícias agressores ou agredidos
ou jogadores lesionados 
ou praças sujas e vandalizadas 
ou tudo isso um pouco.

Domingo de bola, então, da nossa, da que é importante, da que não vende jornais, mas faz o meu filho feliz - torneio de gente pequena a jogar como gente grande. 

Quem me conhece sabe - eu detesto futebol. (Só mesmo um filho para me fazer ir a um estádio). E eis-me no meu pior cenário. Um domingo inteiro a comer pó sob um sol intenso, a Maria a entediar-se numa bancada com não muita gente, mas bastante alvoraçada. Muitas mães-treinadoras-de-bancada a enfurecerem-se com coisas que me passam ao lado, com nomes muito técnicos, (Mas que raio significa pontapé de baliza se as traves não chutam? e o que quer dizer fora de jogo se eles estão todos lá dentro?) e a esganiçarem-se em uníssono "vai à bola, João" (para mim o João não fez se não ir à bola, coitadinho, a correr aquele tempo todo, debaixo de um sol escaldante, ela de rabo bem alcochoado e celulites centenárias que ainda agora mesmo está a alimentar com mais um pacote de salgadinhos e "vai à bola, João", coitadinho do João, havia era de "vai ó ginásio, mãe", larga os salgadinhos, deixa-me jogar). E eu, que não gosto mesmo nada de bola, nem de ouvir mascar salgadinhos, gosto de ver o meu filho em campo. Com trejeitos de vedeta, a ajeitar o cabelo. A agradecer para a bancada, quando lhes saúdam a entrada em campo, a celebrar num abraço colectivo, quando marcam golo. Afinal gosto de futebol. (Ou gosto tanto do meu filho que (até) gosto de futebol, não sei, não interessa.) Comove-me ver ali aquele rapazinho pequeno, ele que sempre foi tão desafiante em casa, a cumprir regras com afinco, a lutar pelo bem comum, pela equipa, a olhar de soslaio, a ver se o estamos a ver aquela finta caprichada, aquele remate audacioso - e nós estamos a ver, filho, até eu estou a ver, filho.

Outra pérola de bancada para me interromper a comoção. (não se consegue filosofar grande coisa a assistir a uma partida) "Se soubesses quantas bofAtadas vais levar logo à noite, não jogavas assim", a Maria de boca aberta, com os bigodes das bolachinhas de chocolate que vai comendo para enganar o estômago e o tédio, a olhar para ela incrédula. Come Mary, come. Olha o Mano vai entrar, vês que lindo o mano equipado e com as chuteiras apertadinhas, como ele gosta, de força e com três nós. De repente, correm mais, avançam (aprendo), um dos nossos remata - é o apoteótico "Gooooooolo" e a pérola, da equipa adversária em apoteose também "Vou-te a dar ( "a dar", não me enganei, é como falam os transmontanos, influências raianas, suponho) um murro nos olhos para ver se os abres e vês a bola". A Maria chocada. A esta altura eu já não. Quase me diverte. O marido ao lado e não diz nada, só fuma e bebe cerveja. Deve estar a pensar "Se soubesses quantas bofAtadas vais levar logo à noite, não comias salgadinhos assim!"

Às vezes perco-me, não sei quanto está, ou para que lado é suposto metermos golo, custa-me manter-me concentrada naquilo, se me dessem um murro no olho talvez eu também visse melhor ou se calhar falta-me o sal daquele pacote que não pára de estralejar  naquelas mãos raivosas.

Duas apitadelas e parece que acabou e que ganhámos. Rodar de bancada, a seguir jogas noutra ponta. Lá vamos - eu. o pai e a mana - ter contigo, suado e feliz, ganhaste o jogo e logo à noite não vais levar quantas não sabes, quer ganhes, quer percas. Tens os cordões apertados de força e com três nós, como tu gostas e tens-nos a nós, aos três, com toda a força.