Começaram a entrar, aos pares, em grupo, uns atrás dos outros. Sempre gostei daqueles primeiros olhares auspiciosos ou desconfiados, aquele primeiro mirar mútuo que tenta adivinhar se vai correr bem o ano letivo todo. A leva tem sido cada vez maior. De ano para ano a entrada na sala de aula tem engordado e agora faz lembrar aquela primeira massa humana compacta na partida para a meia maratona de Lisboa. Só que desta feita não é para correr. É para sentar - e os problemas começam aí. Não há cadeiras suficientes, não há espaço para aqueles corpos desajustados das carteiras. Jovens de secundário, sentados sempre nas mesmas carteiras desde o segundo ciclo. Mesas ergonómicamente desadaptadas para pernas que levantam pesos no ginásio e saltos altos que elevam os joelhos contra os tampos.
Não há cadeiras, não há espaço, não chega a haver oxigénio para respirarmos todos ao mesmo tempo, lá teremos de negociar isso também. Demora um certo tempo esta logística, o sentá-los, entalados uns nos outros, para gáudio de uns e desconforto de outros, mais reservados, mais cientes do seu espaço íntimo de segurança. Penso: primeiro obstáculo pessoal à aprendizagem. Estar fisicamente desconfortável, sentir a nossa intimidade invadida e arranjar aí zona de concentração, não obstante. Ponho-me no lugar deles e já sinto que partem em desvantagem.
Depois lembro-me de mim. Do meu papel ali. Como vou ensinar uma língua estrangeira (ou seja o que for) a um grupo assim? Como vou respeitar as orientações programáticas - 30% para a oralidade? Se puser esta gente toda a falar ao mesmo tempo, digamos, a pares, a colega da sala ao lado desespera, ou, por outro lado, terá também uma urbe conversadora e nem dá por nada... E como vou avaliar essa expressão oral, mesmo que ouça individualmente cada um deles durante cinco minutos, passo uma semana nisso, e entretanto tenho os outros cem à deriva... ou (riam-se) autónoma e responsavelmente a trabalhar. E os testes escritos, que fazem (quase) ao colo uns dos outros? Não há versões que me valham! E as composições, a este nível, estamos a falar de textos complexos, argumentativos sobre questões complexas como alimentos geneticamente modificados, robótica ou questões ambientais... vou tirar uma sabática para lhes corrigir as composições!
Depois lembro-me do ensino individualizado, de como era bom saber-lhes os nomes, olhá-los nos olhos, ouvi-los, conhecê-los um pouco para lá da disciplina que ensino, como seres humanos, como pessoas complexas, com expectativas, sonhos, medos, desânimos e recomeços... não vai ser fácil. Sorrio. Dou-lhes as boas vindas e desejo-lhes boa sorte para o ano lectivo. Vamos precisar.