Friday, July 17, 2015

Não era?


Quinze anos depois consigo mobilidade profissional e um lugar de quadro no litoral. Tudo o que eu sempre quis (?) Famalicão. Ali, coladinho a Braga da minha alma e a Santo Tirso, terra natal do meu marido, terra madrinha dos meus filhos. Devia ficar esfuziante, não era? Os amigos de lá dão-me os parabéns, os de cá fazem um sorriso amarelo de perplexidade "era o que tu querias, não era?" e eu encolho os ombros e a alma num arrepio de assombro, o meu não menor que o de toda a gente.

"era o que tu querias, não era?"
A notícia é recebida, quinze anos mais tarde ( ou deveria dizer quinze anos tarde de mais?) com um misto de surpresa, satisfação agridoce coalhada em dúvidas e medo, montanhas de medo.
Afinal a situação já não era sustentável... quilómetros diários de estradas de montanha, entre geadas, milhafres, burros e javalis em aldeias recônditas, deixar os meus filhos de madrugada na escola, só eles e o guarda-nocturno e, às vezes, o padeiro; deixá-los um dia todo numa terra sem ninguém: o pai na cidade ao lado, a mãe a uma hora e 90 km de distância; numa terra sem tios nem avós nem primos, só vizinhos amáveis e amigos disponíveis a quem não queremos incomodar. O que é que um gajo há-de dizer? "Se precisares de alguma coisa com os meninos..."; "Está bem, está combinado, todos os dias às 6.30 da matina, na hora do sono morninho, a nevar lá fora..."
Afinal a situação já não era pacífica...num distrito demograficamente deprimido, com a subida da idade da reforma e o aumento do número de alunos por turma, as perspectivas, a médio prazo, não eram de uma melhoria no plano profissional. 
"era o que tu querias, não era?"
Era. Foi. Ou por outra, não queria ter investido quinze anos de vida numa região em prol de uma estabilidade que deixou de existir. Queria não TER DE querer fugir de um distrito carregado de horários zero, onde a mobilidade não funciona porque todos os colegas alegam "condições específicas" e me passam à frente condenando-me ao desterro em pontos geográficos que, realmente, não eram bem o que eu "queria", zonas desconhecidas, como acusava o GPS no carro da colega de boleias: "zona não cartografada"! Condições específicas, tell me about condições específicas: uma minhota exilada por de trás dos montes, sem mar, nem martelinhos de S. João, nem peixe fresco, nem frigideiras do cantinho, com dois filhos de fraldas e reuniões pós-laborais incompatíveis com elas, um pai que leva as fraldas sujas com os filhos dentro para essas mesmas reuniões, enquanto deu, enquanto esteve numa escola da cidade e era visto como um professor exemplar, que preparava os alunos de excelência e os ajudava a entrar em medicina até que não. Específicas, as condições, bem tinha tanto para dizer sobre a especificidade das minhas condições aqui, verdadeira funcionária pública, ao serviço do estado, sempre, na honestidade, onde fosse preciso, a começar do zero, com casas alugadas sem trastes nem tarecos, que empurramos Marão acima, vencíamos o mundo, derretemos a nossa juventude nisto... tinha tanto para dizer sobre a especificidade das minhas condições aqui, mas isso dava todo um outro post...

(enfim, parece que também há alguma frustração à mistura)

"era o que tu querias, não era?"
Era, mas que dizer, a perspectiva de abandonar trás-os-montes, quinze anos depois, tem tanto de promissor como de aterrador. Bragança faz parte da minha história, da nossa história de família. Aqui me apaixonei, tive dois filhos, quase perdi o marido, construí memórias, teci laços, mudei vidas - sou professora, lembram-se? Aqui aprendi, já de adulta, o que era o amor e a amizade, mas também a inveja e o mau-carácter, maturei com tudo isso.
Esta cidade viu os meus filhos nascer e crescer. Fiz questão que nascessem cá, no tal distrito despovoado, onde um certo provincianismo arrasta as gestantes locais para partos em clínicas privadas no Porto ou mesmo hospitais públicos nas grandes metrópoles, onde, julgam, serão "melhor atendidos". Eu, pelo contrário, quis parir cá, para que os serviços não fechem e para usufruir de cuidados mais individualizados, que o reduzido número de partos permite. Viram a luz do dia em Bragança, os meus dois filhos, um no verão, a outra no inverno, ambos bebés "refeitinhos" e felizes. Daquele e desta o pai apanhou uma borracheira de alegria, com amigos de cá, que nos mimaram e afagaram os nossos recém-nascidos como deve ser. E depois, esta cidade deu-lhes o berço institucional a substituir o colo dos avós que estavam longe. Deu-me o luto da mãe que perdi, a lua-de-mel que o ordenado de contratada não cobria, o puerpério das crias, o mestrado sofrido com horário completo na escola e a recuperação do susto que a vida pregou ao meu marido. Tudo cá. Com afectos de avós emprestadas, amigas que se fazem irmãs de alma e vizinhos que, na manta, partilham dos melhores momentos que tenho hoje em dia. Sou muito feliz naquela manta, já o disse, com as crianças a correr no verde, os nossos desabafos maternais e o bom humor de primavera a purgar as maleitas do dia-a-dia.

"era o que tu querias, não era?"
Mudar de casa, de vida, de amigos nossos e dos filhos. Perguntámos aos filhos se era isso que queriam. A Maria quer mudar para uma casa em Londres, com piscina (?!), o Pedro quer ir para o pé das primas e dos avós, desde que haja um clube onde treinar. O pai e a mãe complicam mais. Fazem contas a uma casa para vender ou alugar ou suspender, fazem contas a tudo o que têm dentro de casa para transportar: objectos, planos, projectos, afectos. Nas contas dos pais há muitas variáveis - não é só somar, ou subtrair (dependendo do ponto de vista). Nas contas dos pais há uma alegria enlutada que não responde à pergunta "era o que tu querias, não era?"

Thursday, July 16, 2015

NÃO me BERRES

A mãe que ferve em mim quando o meu filho responde torto tenta segredar à mulher madura que sou que, um dia, esta tenacidade, esta audácia há-de ajudá-lo na vida. Pode vir a ser líder, a ter voz própria, a saber dizer que não aos outros e a fazer valer a sua vontade. 
No entanto, nesta fase, isso está tão longe do que esperámos dele, perturba tanto as nossas rotinas, a nossa tranquilidade que me leva ao desespero.
Viver assim com um menino desafiante pode tornar-se extenuante e comprometedor do equilíbrio familiar. Sinto, muitas vezes, que é um inferno. Que não estou à altura do desafio que é educá-lo na liberdade de ter vontade própria, mas uma que respeite os outros e que não se faça agressiva ou desadequadamente. 
Não gosto que resmungue e se queixe de tudo, que seja ingrato, mal agradecido, ego-centrado. Nunca está satisfeito com nada, nunca dá valor a nada. É triste e injusto para nós, por mais que façamos, nunca está feliz. 
Não gosto que seja tão pouco cuidador da irmã, que a não tolere, que não ceda. Pelo contrário, disputa tudo como se tivessem a mesma idade, não condescende minimamente, não abdica, tudo taco a taco...
Não gosto da falta de colaboração connosco, da falta de boa vontade. Um castigo para as rotinas diárias (vestir, lavar dentes, comer). Um sacrifício para pequenas tarefas (levantar uma mesa, fazer uma cama...). Um tsunami para nos acompanhar ao café ou para ir às compras.
Não gosto da desobediência, do confronto directo, da atitude desafiante. "Faz Y"; "Não faço"... pergunto-me de onde vem tanta hostilidade, tanta desavença...
Não gosto que se atire para o chão a berrar, em qualquer situação, em qualquer lugar, perante qualquer público, devido a um contexto antagonizante ou uma frustração.

E perco a cabeça... demasiadas vezes, muitas mais do que gostaria. O que gostaria... Gostaria de ajudar o meu filho a encontrar a sua voz que não fosse sussurrante, nem aos gritos, mas clara e assertiva. Queria que ele comunicasse connosco da forma que nem eu, às vezes, consigo comunicar....