Confesso que gosto de me sentar na soleira de pedra da casa verde, a ler um livrinho e a apanhar banhos de sol. Confesso que gosto do Parque Urbano da Rabada. De lá ir treinar, no meio do arvoredo, ao som dos pássaros a chilrear, das águas do rio e do comboio que atravessa, de quando em quando, mais lá ao fundo. Confesso que gosto de fazer a marmita e ir lá lanchar, que gosto da alegria dos meus filhos, com as primas, naquele parque infantil, a estrear. Pontapés na bola, corridas, escorregas e baloiços.
Confesso que gosto que o Pedro goste de ler o jornal desportivo do tio. Com o tio. Que comente as transferências com os homens, que queira ir para o campo com o avô, que suborne a avó para lhe dar bolachas às minhas escondidas e que acorde desejoso de ir para o quintal. Confesso que me enche o coração que a Maria chame as primas pelo muro, trepe ao sofá da avó para ir buscar biscoitos, que dê de comer às galinhas cem vezes ao dia e que regue as plantas, as paredes, o mano e a si própria, de mangueira, até ao total encharcanço. Confesso que sou feliz aqui, nesta casa, que viu crescer as minhas sobrinhas, a sua mãe antes delas, o meu marido antes dela, a sua mãe e os seus avós antes dele. Nesta casa de soalho de madeira, portadas de madeira, tectos de madeira, chaminé e traves de granito. Confesso que isso me agrada, para lá da fobia às centopeias, do incómodo das melgas ou do trepidar dos camiões na estrada nacional. Confesso que encontrei o meu espaço também aqui. e que se me dissessem, há catorze anos que assim seria, ter-me-ia custado acreditar. A perspectiva era outra.