Wednesday, August 20, 2014

Confesso (ou de como tudo na vida é uma questão de perspectiva)


 Confesso que gosto de me sentar na soleira de pedra da casa verde, a ler um livrinho e a apanhar banhos de sol. Confesso que gosto do Parque Urbano da Rabada. De lá ir treinar, no meio do arvoredo, ao som  dos pássaros a chilrear, das águas do rio e do comboio que atravessa, de quando em quando, mais lá ao fundo. Confesso que gosto de fazer a marmita e ir lá lanchar, que gosto da alegria dos meus filhos, com as primas, naquele parque infantil, a estrear. Pontapés na bola, corridas, escorregas e baloiços.
Confesso que gosto que o Pedro goste de ler o jornal desportivo do tio. Com o tio. Que comente as transferências com os homens, que queira ir para o campo com o avô, que suborne a avó para lhe dar bolachas às minhas escondidas e que acorde desejoso de ir para o quintal. Confesso que me enche o coração que a Maria chame as primas pelo muro,  trepe ao sofá da avó para ir buscar biscoitos, que dê de comer às galinhas cem vezes ao dia e que regue as plantas, as paredes, o mano e a si própria, de mangueira, até ao total encharcanço. Confesso que sou feliz aqui, nesta casa, que viu crescer as minhas sobrinhas, a sua mãe antes delas, o meu marido antes dela, a sua mãe e os seus avós antes dele. Nesta casa de soalho de madeira, portadas de madeira, tectos de madeira, chaminé e traves de granito. Confesso que isso me agrada, para lá da fobia às centopeias, do incómodo das melgas ou do trepidar dos camiões na estrada nacional. Confesso que encontrei o meu espaço também aqui. e que se me dissessem, há catorze anos que assim seria, ter-me-ia custado acreditar. A perspectiva era outra.

Monday, August 11, 2014

Doces dias de Agosto

      Mesmo que este Agosto não seja o mais quente de sempre, mesmo que a temperatura da água do mar só me permita ir a banhos no chuveiro, mesmo que o vento nos afaste da esplanada ao fim do dia, as mãos pequeninas constroem castelos na areia e os seus corações grandes andam tórridos de emoções, pulos, mergulhos e aventuras!
      Temos uma figueira no quintal, por cima da churrasqueira onde grelhamos peixe e em frente a uma mesa onde comemos melancia e melão frescos, acompanhados de um gato preto, que pertence à casa e nos faz companhia na hora das refeições. O gato é uma emoção para os miúdos; o chuveiro no exterior, ao vir da praia, pelas duas da tarde, também é uma emoção para os miúdos. Para os adultos as emoções são outras. É chegar à casa, alugada pela internet, a torcer para que ela EXISTA, e que seja a mesma das fotografias e não uma fraude de um qualquer galinheiro com vista para alfarrobeiras podres. E verificar que o único defeito é estar carregada de santinhos e quadros de gosto questionável (não, não temos o menino da lágrima, mas temos os anjinhos papudos da Capela Sistina!). A senhora a mostrar a casa, tudo "full equiped", como dizia no anúncio, e eu, sem a ouvir, a pensar que aquele mega crucifixo à cabeceira da cama do casal havia de ter  pouco sossego com o casal jovem que, desta vez, aqui vai pernoitar!
      O areal é imenso para caminhar e pôr as ideias em dia, rodeados da família que nos faz falta durante o resto do ano, a folhear jornais, livros e revistas que não temos oportunidade de ler, a enfiar os pés na areia e a saborear aqueles grãos, a textura, fininha, fininha, macia e reconfortante. Os miúdos enchem-se de gelados e bolinhas de berlim, felizes com a injecção de açúcar. Eu gosto que estejam felizes, mas não gosto do açúcar. Relevo. Faz parte. São doces dias de Agosto.