Sunday, July 27, 2014

Ser mãe de um rapaz!

Vais ser Mãe.

Isso quer dizer que serás sempre mais mãe do que outra coisa qualquer. Primeiro mãe do que filha, mulher, esposa, irmã ou amiga. É um lugar comum dizer-te que isso mudará para sempre a tua vida. Vai mudar o teu ser, a tua essência, o teu caminho, de maneiras insondáveis e irreversíveis. Quererás ser melhor pessoa todos os dias. De certa forma, a maternidade é a experiência mais exigente de todas, porque é a que queremos exercer com maior perfeição. Vais ser uma boa mãe. A melhor que o teu filho podia ter.
Terás de responder a perguntas difíceis, tão mais difíceis quanto mais entram no fundo das tuas questões existenciais como os porquês e os para quês, da morte, da vida e do sofrimento, isto enquanto lhe preparas uma sande de fiambre ou descascas feijão verde para a sopa. Terás de "mããããeeee, anda-me limpar" a meio da refeição; dormir com uma mão pendurada num berço e um olho meio aberto para ver se respira - tantas, tantas vezes, a ver se ainda respira - e, mais tarde, serás capaz de despertar de um sono profundo e ouvir uma tosse sua dois quartos, três paredes e três portas distantes de ti. Vais preocupar-te porque come ou porque não come; porque tem  (ou pode ter)  frio ou calor ou medo do escuro ou da escola ou da água do banho ou do mar ou porque enjoa no carro ou porque quer andar de mota ou porque caiu da bicicleta ou porque tem cólicas pela noite dentro ou porque não quer ir à catequese ou por nada, porque sim.
E, no entanto, serás capaz de viver neste turbilhão de emoções, de te adaptares, de cresceres com isso, de te desviar dos brinquedos, em vez de os arrumares, de deixar o gelado de chocolate escorrer para a T-shirt ou aquela defesa de carrinho impregnar de relva o fato de treino, sabendo que aqueles momentos de felicidade do teu filho te vão sair caros em tempo, paciência e detergente...
Descobrirás que as unhas compridas não são apenas um acessório de moda, mas a melhor arma no combate às nódoas de relva nos calções. Um dia ainda hás-de desejar que volte a esses calções, quando passar à fase de passear a puberdade em cuecas pela sala. Com um corpo que lhe cresceu sem ele nem tu darem por isso.
Que o pior até nem são as manchas da roupa, nem os joelhos negros de brincar na terra e a falta de vontade de cuidar disso. Difícil é conseguir que cresça como um ser humano equilibrado, que seja e venha a ser feliz e a fazer felizes os outros. Hás-de olhá-lo, no berço, e desejar que nada de mal lhe aconteça, obviamente, mas também que aquelas mãos pequeninas nunca cometam crimes, que use aqueles lábios bem desenhados mais para beijar e pronunciar o bem do que para difamar ou magoar. Hás-de viver para essa causa, para ser o melhor exemplo possível, a melhor versão da ti própria, e conseguir educá-lo nesse paradoxo grande que é a vida, pois queres que seja competitivo, sem ser agressivo; que seja comunicativo sem ser aborrecido; que seja sincero, sem ser inconveniente; que seja lutador, sem prejudicar ninguém; que seja educado, sem perder a espontaneidade; que tenha sentido de humor, sem ser bombo da festa; que tenha bom coração e bom senso; que seja inteligente, sem perder a criatividade; que seja opinativo, mas saiba escutar; que seja solidário, sem se esquecer de si; que brilhe, sem ser vaidoso; que goste de si próprio, sem ser egocêntrico; que seja generoso, sem ser esbanjador; e,e,e, e... poupado, sem ser forreta; que saiba ser sonhador, mas com os pés no chão; que goste de partilhar, mas dê valor ao que é seu.... enfim, a lista é tão infindável e paradoxal como a própria tarefa e a maior ironia e contra-senso é que serás feliz ao tentá-lo, por gigantesco que pareça, não só não te demitirás, como farás questão de fazê-lo. Fá-lo-ás sempre bem. Essa é a chave.

E vais ser mãe de um menino. 
E isso é maravilhoso.

Terás de lidar com a testosterona, as birras, a impulsividade, a energia, as fúrias e os odores corporais de adolescente e isso vai trazer toda uma nova dimensão à tua vida. Às tropelias pela casa, aos pinotes e aos encontrões já tu estás habituada pela vivência continuada com os furacões da tua vida: primeiro a Saga, depois a Lis e, agora, a Lita. (ufff és mesmo resistente!). Mas agora terás de aprender nomes estranhos como Beyblades, Invizimals ou Pous. Aparentemente o primeiro é uma espécie de pião da contemporaneidade, o segundo são cromos e o terceiro um bonequinho. No entanto, não é tão simples assim: é tudo meio electrónico-tecnologico-virtual e, ou abraças com agrado a modernidade das coisas, ou ficas, como eu, quase sempre de fora das brincadeiras. Porque os cromos têm aplicações electrónicas, o Pou tem de ser alimentado virtualmente e os Beyblades fazem umas luzes psicadélicas, que, para mim, são sofisticação bastante.

Terás conversas interrompidas, riscos nas paredes, sapatilhas mal-cheirosas espalhadas pela sala, salpicos de xi-xi na tampa da sanita (e arredores), pasta de dentes no espelho e, pelo menos uma bola no hall de entrada. Mais tarde, eventualmente, melhora. É creme de barbear no espelho e um capacete no hall de entrada. As sapatilhas mal-cheirosas, essas, hão-de perdurar a vida toda. Bem como os beijos e abraços à mãe. Violentos, aos empurrões, a força do amor nutrido de testosterona. Não são bem beijos - são cabeçadas ou turras com lábios, não é por mal, é uma força que não se mede, a dos músculos e a do coração de rapaz, menino da sua mãe.




Monday, July 14, 2014

Tomé (ou não)

Hoje dei ao Pedro a feliz notícia de que ia ter um primo com quem jogar futebol. 
"Já sabia!"
"Não, Pedro, não estás a entender: só sabias que a Ana estava grávida e ia ter um bébé, que podia ser menino ou menina; o bébé que está na barriga da Ana é um menino, já sabem!"
"Como é que sabem? Já saiu?"
"Não - a Ana viu na ecografia; é uma fotografia dentro da barriga! Vai ser um menino e vai-se chamar Tomé"
"Oh nós é que íamos escolher!"
"Pronto, este era um nome que eles gostavam, mas, se calhar, se deres uma alternativa pode ser que escolham outro..."

(...)


"Leonel Messi!"

Saturday, July 12, 2014

De futebolista a filósofo

Depois de uma tarde inteirinha a jogar futebol, com muita disputa de bola, algumas birras e muita penalidade mediada pelos adultos, depois de um (mais um) jogo do mundial assistido fervorosamente com gritos entusiastas, regresso a casa, no carro, ainda eufórico e de caderneta de cromos da bola em riste,  (eu a ler-lhe a cartilha, que se tinha portado bem, mas que ainda tinha momentos de descontrolo e que controlar-se era muito importante...) o Pedro sai-se com esta: "Mãe, sabes o que é que é mais importante neste mundo?", eu atiro "comer?", "dormir?", "respirar?" e ele sempre "nãããão", tento algo mais profundo "amar?"; "não, mãe, claro que não, tu não sabes? quem é que te criou?" tento ir nessa direcção "os meus pais? pois a família é muito importante..."; "não, mãe, quem te criou primeiro de tudo foi Deus, Deus é o mais importante de tudo!" Fico suspensa... "Foi na catequese que te ensinaram isso, Pedro?"; "Não mãe tirei das minhas ideias, da minha cabeça..."

Friday, July 11, 2014

A minha prenda de anos para a Filipa

Fazes quarenta anos e sabes que isso é bom. Sabes a vantagem que esse olhar te dá sobre a vida, que te preenche os dias e te faz feliz. Já estiveste em Taizé, mas a tua paz interior, hoje em dia, não tem espaço para ocorrer. Já subiste uma montanha e usas essa força para transpor os obstáculos. Já percorreste algum mundo, mas gostas deste que é o teu, já viveste em Bilbau como em casa; viverias em Roma ou Nova York com a mesma paixão. Conheces o mundo e as pessoas, como só aos quarenta anos se pode. Não acreditas em tudo, embora acreditar seja uma das tuas virtudes.Já te desiludiste com a vida, ralhaste com ela, seguiste em frente; encaraste a morte, sentiste a saudade, não lhe perdoaste e, para te vingares, vives a vida com mais força ainda. Já fizeste dietas e sabes que não resultam, que o melhor é comer coisas com nomes estranhos para os teus pais, mas que são saudáveis e te trazem longevidade. Já veneraste fármacos, trocaste-os por homeopáticos ou por viver sem eles, se puderes. Já perdeste amigos, mas sabes bem fazer um novo e preservas muito os que tens. Já estendeste roupa pequenina e roupa grande de um desporto que não praticas e sabes que nesse estendal está tudo o que importa, mesmo que, às vezes, apeteça fugir. Já seduziste, sabes fazê-lo e o poder é tal que só o usas de forma orientada, moderada e selectiva; ao contrário do sentido de humor, da energia positiva e da alegria, que cresceram contigo e vale a pena esbanjar. Já hipercondriacaste tudo, agora já não stressas; sabes que não vale a pena, que a dor faz parte da vida, que o melhor é prevenir, menos quando uns amigos te desafiam para as comezainas e aí perdes a cabeça (e bem, porque também sabes, aos quarenta, que de vez em quando devemos fazer o que não se deve) e atestas com tudo o que as tuas alergias, figadeiras, colites e estomatites não permitem e, pronto, tens uma passagem de ano altamente, mas o primeiro dia do ano é no hospital!Não faz mal, viveste-o! Estás na tua, no teu melhor, curtes a tua arte, o teu cinema, a tua música, os teus projectos. Já tiveste um filho, plantaste uma árvore e, qualquer dia, amiga, escrevemos um livro juntas! Parabéns, amiga!

Thursday, July 10, 2014

Not again! (no seguimento da ouvidite)

"Mãe, sabias que tens de ir à minha escolinha buscar as notas?"
"Não, filha, como é que sabes?" (sem lhe dar muita importância,a pensar lembraste-te da escola e queres ter NOTAS como o Pedro que já é grande)
"Porque a professora ligou ao pai e eu ouvi! É para saberes se passei de ano..." (uhuh)
Eu, incrédula e condescendente, mais para que não me chateasse mais com aquilo do que para cumprir o desígnio lá estaciono em frente à escolinha, saio do carro, finjo que espreito, penso que só lá devem estar as funcionárias em limpezas gerais e vou fazer figuras tristes, volto para o carro com a desculpa na ponta da língua "hoje já deve ter fechado...", mas não vou a tempo de a debitar; a educadora assoma no jardim a acenar-me "Pensei que já não vinha! Liguei-lhe ontem duas vezes... (mudei de telefone, estava em reunião); acabei por falar com o seu marido" (que, por sua vez, se esqueceu de me avisar!)
Caio em mim. ELA tinha RAZÃO, mais uma vez! Ela realmente sabia o que NÓS tínhamos de fazer... Rendo-me às evidências, vou dar-lhe as chaves de casa e deixar de fingir que trato dela!  

Rosas de verão

A Maria e eu de mão  dada, ladeira abaixo, rodeadas de ciprestes e mármores mais ou menos envelhecidas pelo tempo. Descemos com tempo. Está uma manhã luminosa. Atinge-me o silêncio. Distante do bulício das ruas comerciais e das multidões do shopping. Aqui não há barulho, nem neóns,nem faixas berrantes de promoções, nem apitos de caixas registadoras, mas o meu cérebro,de alguma forma, transporta-me, por segundos até lá. Anseia inebriar-se de consumo e fugir deste silêncio. O silêncio, a quietude, a tenaz realidade limpa  desta mão pequenina e quente, passos pequeninos vibrantes sobre um solo de gente morta. Afasto as ideias, olho para o céu. Limpo e azul, muita luz, algumas asas. Um grupo de gente menos vestida de preto do que mandaria o protocolo e muito menos chorosa do que implicaria a situação, sobe a rua, no sentido inverso ao nosso. Não gosto de luto, nunca cumpri um, pelo menos por fora. Mas ocorre-me que hoje não velamos muito a morte. Não temos tempo, a vida é a correr. É aqui, filha, vira-se por aqui. Ainda deambulamos um pouco entre as campas, tudo demasiado encavalitado, não há corredores, quase se pisa o que não se deve, as memórias de alguém, filhos, pais, mães, maridos, fotos de soldados, datas que marcaram alguém e aquelas pedras para sempre. A nossa. Pelo menos estás com a tua mãe, mãe. Num mesmo pedaço de terra, se é que isso serve de algum consolo. Vamos pôr aqui as rosas do jardim da outra avó, que ainda as rega e cuida. "Cheiram bem", pois é, filha, são frescas cheias de vida; espera aqui um bocadinho que vou pôr água nesta jarra, se não também morrem, (de certa forma já morreram, penso). Ela diz que sim, que espera. E fico assim de longe a encher de água fresca aquela jarra com aquelas rosas vermelhas a Maria sentadinha no jazigo da minha mãe, cheia de sol no cabelo, a cantarolar uma canção imperceptível à distância. Mãos pequeninas a afagar-lhe a foto da lápide de morta, sentada na campa da avó, em vez de no seu colo, a imagem perfeita do paradoxo da existência.