Tuesday, June 24, 2014

Lições de moda!

     Hoje aprendi duas coisas sobre moda: uma com a minha filha, que tem quatro anos, e outra no catálogo do Lidl... se calhar, nenhuma das fontes abona muito a meu favor, no que diz respeito a estar actualizada em relação às últimas tendências, mas adiante.
     Pelos vistos, existe algo chamado jeggings, umas calças muito justas, a meio caminho entre os jeans e os leggings. Esta informação não me vai servir de muito, nas medidinhas top model que estou era capaz de ser um espectáculo muito digno de se ver, mas adiante outra vez.
     Já o entendimento da Mary, precioso, como sempre. Para ela é perfeitamente aceitável vestir uma saia azul com flores em tom de roxo, conjugar com uma T-shirt de riscas azuis e brancas e estampada com a cara da Minnie, finalizando o look com umas sandálias de um outro florido rosa-choque. no cabelo, ganchos multipadronados, tipo árvore de natal. Cheguei a casa e estava assim e serviu-lhe bem. Brincou todo o dia, feliz com os seus estampados, a rodar a saia (lembram-se como era bom rodar a saia?) para se avistarem as cuecas, por sua vez, às bolinhas e mais Minnie. A informação é, atenção meninas, por um lado, é possível ser-se feliz mal vestida e por outro, não é preciso que os outros gostem para que nos sintamos bem...

Monday, June 23, 2014

Exame Nacional de Matemática

Costumo dizer, a brincar, que desisti da matemática assim que começou a misturar letras e números. Tive o primeiro choque no sétimo ano, no final do 1º período - nível três, na pauta. É curioso que não me recordo das notas ou dos próprios testes, só mesmo do impacto que foi, lá em casa, tirar quatro níveis três no natal, eu que, até então, sempre tinha tido cinco a tudo. Ia-me azedando as rabanadas. Ninguém quis saber se tinha sido a transição de uma escolinha básica, o André Soares, para um grande liceu, o D. Maria II, se estava numa idade difícil, se a matéria era difícil, se os professores eram exigentes, que estudasse e pronto. Foi o que fiz, muito. Tanto é que, no segundo período subi todos esses níveis para nível cinco, directo. Agora, como professora, acho que isso foi extraordinário. Na altura, não fiz mais do que a minha obrigação. A matemática deu-me água pela barba, recordo-me. Tinha um livro de exercícios resolvidos, que tinha sido do meu primo, mas não era por isso que estava resolvido, era usado, de facto, mas resolvido por conceito, era assim, mostrava-nos como fazer, passo a passo, para resolver lá os problemas e as equações até chegar à solução. Isto tudo na era pré-google, na era em que a escola pública não era obrigada a oferecer apoios e em que o dinheiro não sobrava para explicações. Tardes inteiras e muitas lágrimas. Sozinha, no meu labor. A frustração, a persistência, a teimosia. Lembro-me de ser um processo árduo. Os primeiros exercícios e, às vezes, muitos de seguida, nunca davam certo, era triste, mas como? como? vamos lá fazer outra vez. Lembro-me da alegria, os primeiros resultados a bater certo, ou quase, e vamos lá tentar outro, acho que já estou a perceber, vamos lá tentar mais outro. E depois o prazer da mestria, quando já todos pareciam fáceis, afinal era fácil, não tinha nada que saber! Enfim, tudo isto me ocorreu, hoje de manhã, naquela sala em serviço de vigilância, já do lado de cá, eu de pé, eles sentados, eu distante dos números, eles a lutar com eles, alguns na luta, outros no desencanto, fora dali, sonolentos a ressacar o jogo do mundial até de madrugada. Adolescentes e manhãs é um paradoxo, sempre disse.O tédio da tarefa de vigiar, depois de lidas todas as obscenidades nas paredes, observadas todas as rachadelas nas paredes, lidas as instruções de evacuação em caso de incêndio ou sismo, não poder sentar e escrever tudo isto, não poder ler. Inveja da funcionária que lê, no corredor, não está a vigiar, pode ler, aqui nem água se pode beber. Alguns lutam com os compassos, mordem a língua. Aquela já acabou. Acabou num instante, o suficiente para a sua sabedoria ou vontade de a mostrar. Esta aqui nem sequer começou. Vai entregar em branco. Preencheu o cabeçalho, deitou a cabeça na mesa e dormiu. Ainda lhe toquei, já vou professora. Deixá-la dormir, pelo menos não incomoda. Admira-me que não haja mais tumultos em exames. Eles que vêm contra-vontade, é obrigatório; eles que têm de estar calados durante duas horas, eu diria que muitos não são capazes de manter silêncio, nunca o fizeram o ano todo, em nenhuma aula e depois ali, por milagre, respeitam. Afinal conseguem.Oxalá não ressone; se entra um inspector dizemos-lhe que está a raciocinar, a med(e)itar ou algo assim. Hordas de Vanessas por esse país fora chegam às salas de exame, maquilhadas, a cheirar a tabaco, leggings de padrões e t-shirts a revelar a barriga,unhas pintadas ou de gel, extensões, monos e madeixas no cabelo, artilhadas, mas não para a matemática. Não as estou a ver naquela minha labuta, naquele esforço. Se calhar a culpa é nossa, os colegas também não as sabem motivar, ou são sinais dos tempos, ou é a escola de massas, ou estou a exagerar. Eles também me parecem fora do contexto. Vêm de chinelos de dedo, havaianas, calções floridos, camisolas de alças. Nós a avisar que no primeiro caderno podem usar calculadora, esqueceram-se dela, um nem caneta tem. A escola empresta, só tens de escrever, desligar o modo mundial e raciocinar, ainda não estás de férias, precisas deste exame para passar. Ou não. Se reprovares abrimos um curso vocacional, financiado, damos-te aulas de apoio pedagógico e encaminhamos-te para a psicóloga da escola para te recuperar. Dorme, Vanessa, para o ano tratamos disso.

ouvidite

Ali, no consultório, sentada do lado de cá da mesa, a médica a examinar a Maria e ela a comunicar com precisão cirúrgica os sintomas, a deixar-se examinar, a comunicar com a médica, e eu, do lado de cá da secretária, sonolenta, meia ausente, demasiado calada para a minha aceleração costumeira, letárgica, meia ausente - tinha chegado a casa farta de escola e calor, o corpo a acusar o ano letivo e os quilómetros, exausta e a Mary a gritar, outra vez, de dor de ouvido e levem-me ao médico já em berros e lágrimas de súplica - e agora,tranquila, sossegada, a comunicar, sem mim, sem precisar de mim para esclarecer e ocorreu-me, num momento de clarividência, que ali estava ela, autónoma, sem mim, fui só o transporte, o motorista, o adulto facultador, há dias que ela nos dizia levem-me ao médico, se tivesse tido carta ia lá ela, sem chatear ninguém, resolvia tudo, tomava a iniciativa, sempre tomou; um dia, do alto dos seus dois anos chegou a casa e comunicou-me que ia deixar a fralda, isso mesmo, comunicou-me, informou-me, para mim ainda não tinha chegado o momento, não estava preparada, não era verão, não me apetecia lavar lençóis, nem calças sujas, mas para ela sim, tinha decidido, era a hora, o tempo dela, a minha Maria e foi-a de facto, que nunca mais foi preciso nada, ela sabia-o, sempre à frente da sua idade, sábia das suas decisões e muito à frente das minhas... enterneceu-me, aquela menina, pensei, tens de começar a ouvir mais os teus filhos, they know better, eles têm as respostas, a tua Maria pode ajudar-te, ouve-a mais, ouve-a melhor, ouve-a sempre. Entretanto a receita, a médica finalmente dirigiu-se ao adulto em presença, não sei porquê, podia ter dado a dosagem à Mary, está visto que é mais focada do que eu e eu tenho aquele problema com os números... enfim, à noitinha, depois do antibiótico pedi-lhe desculpa. Desculpa, filha, bem tinhas razão, era mesmo necessário ir à médica. Eu disse-te, mãe, tu é que não sabias que eu tinha uma ouvidite! (mas tu sabias, filha, tu sabias...)